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A IMPLANTAÇÃO DOS PROTOCOLOS DE SEGURANÇA DO PACIENTE NO BRASIL

Por: Renato Assis

A Segurança do Paciente é considerada um ramo de vanguarda para os profissionais que atuam na área da Saúde. Embora frequente o âmbito da Saúde desde os primórdios da medicina, ainda à época do grego Hipócrates, considerado o pai da medicina ocidental que viveu quase 2.500 anos atrás e nos trouxe a máxima “Primum non Nocere” (que significa “antes de tudo, não causar dano”), ainda hoje notamos que os chamados “eventos adversos” crescem assustadoramente, ceifando mais e mais vidas em nosso País.

Por “Eventos Adversos”, entendem-se os danos involuntários decorrentes da assistência prestada ao paciente, sem relação com a evolução natural da doença de base que ocasionou o atendimento, que acarretem lesões mensuráveis aos pacientes, óbito ou prolongamento da internação.

Em linhas gerais, sabemos que a assistência ao paciente não deveria gerar consequências ruins. Contudo, segundo o IBSP (Instituto Brasileiro de Segurança do Paciente), todo ano 10% de todos os pacientes do nosso País sofrem com eventos adversos, gerando um total de 1,7 milhão de vítimas. Destas 220 mil morrem o que representa mais do que o câncer de mama, câncer de pulmão, a AIDS e os acidentes de trânsito. Isso sem falar nos demais, que sofrem com o aumento do tempo de hospitalização, e sequelas temporárias ou permanentes. Notamos, pois, que a filosofia de Hipócrates não tem sido alcançada pela nossa saúde.

Nas últimas décadas, uma enormidade de publicações científicas vieram demonstrando o quadro atual, desencadeando no campo de trabalho intitulado “Segurança do Paciente”. Entende-se por este termo, tudo o que é estudado e aplicado na prática para que os riscos destes danos desnecessários diminuam até um nível aceitável, ou seja, eliminados. Isto é, garantir aplicação da filosofia hipocrática, fornecendo aos usuários da saúde uma assistência que não lhe cause mal.

 

OS PRIMEIROS ESTUDOS

Um estudo pioneiro foi realizado pela California Medical Association em 1974, com a revisão de 21 mil prontuários, em 23 hospitais. O estudo apontou eventos adversos em 4,6% dos casos. Em 1991 houve um segundo estudo de destaque, feito pela Harvard Medical Practice Study, onde foram revisados 30 mil prontuários de hospitais do estado de NY. Foram identificados eventos adversos em 3,7% dos casos (destes 16,6% levaram à morte). Estudos subsidiários foram realizados em diversos outros países, com um índice de até 16,6% de eventos adversos.

 

O GRANDE MARCO

O grande marco da área ocorreu no ano de 1999, quando o Institute of Medicine dos EUA publicou a obra “Errar é humano: Construindo um sistema de saúde mais seguro” (To err is human: Buildong a safer health sustem), um livro-relatório que causou grande impacto em todo o mundo.

A obra colocou os eventos adversos como a oitava maior causa de mortalidade dos EUA, com uma estimativa anual de 44.000 a 98.000 mortes, superando os acidentes de trânsito (43,458), o câncer de mama (42.297) e a AIDS (16.516). Apontou ainda para uma estimativa de 17 a 29 bilhões de dólares em gastos com tais intercorrências.

Os dados apresentados por esta obra impactaram em todo o mundo, gerando uma mobilização nunca antes vista em prol da segurança do paciente.

 

AS PRIMEIRAS SOLUÇÕES

Sensível à mobilização global contra os eventos adversos, a OMS (Organização Mundial da Saúde) criou a World Alliance for Patient Safety (Aliança mundial pela segurança do paciente) com o objetivo de coletar dados, organizar conceitos e propor diretrizes para o combate aos eventos adversos.

No ano de 2001 a ONG americana Institute of Medicine (Instituto da Medicina) publicou o relatório “Crossing the quality chasm: A new health system for the 21st century” (Cruzando o abismo da qualidade: Um novo sistema de saúde para o século XXI). O referido relatório trouxe pela primeira vez o conceito de metas que deveriam nortear a assistência prestada na saúde.

Em linhas gerais, o Institute of Medicine trouxe as 6 dimensões mais importantes para que a assistência à saúde tenha qualidade. Tais dimensões pressupõe que a assistência à saúde deva ser: Segura, efetiva, centrada no paciente, oportuna, eficiente, e por fim igualitária.

 

A EVOLUÇÃO NO BRASIL

Em 2011, foi fundado o Instituto Brasileiro de Segurança do Paciente (IBSP), com o propósito de cultivar ideias que possibilitem transformar a realidade da segurança do paciente no Brasil, a exemplo do que já vinha acontecendo em outros países.

Ainda nesta época, o Ministério da Saúde divulgava estudo indicando que 66% dos incidentes ocorridos em hospitais poderiam ser evitados. Casos como administração incorreta de medicamentos, erros em procedimentos e até queda de pacientes.

No ano de 2013, foi instituído pelo Ministério da Saúde através da Portaria 529/2013, o Programa nacional de Segurança do Paciente (PNSP), com o objetivo de contribuir para a qualificação do cuidado da saúde em todos os estabelecimentos de saúde do País. Suas ações possuem perfeito alinhamento com os objetivos da World Alliance for Patient Safety.

Segundo preconiza o programa, a direção dos hospitais deve estar sempre envolvida na segurança do paciente para traçar um conjunto de ações e metas, transformando este importante tema em parte da cultura da instituição.

A partir de 2013, com a publicação da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n. 36 do Ministério da Saúde, tornou-se obrigatória a implantação do Núcleo de Segurança do Paciente em todas as organizações de saúde do País. Contudo, notamos que a missão de instituir um núcleo focado na assistência segura e orientação dos pacientes, familiares e acompanhantes de pessoas internadas (sem falar nos profissionais da saúde em si) é um grande desafio, de enorme complexidade e custo, principalmente considerando as dimensões do nosso País e a quantidade de hospitais em condições precárias.

Ainda em 2013, foram aprovados os Protocolos de Segurança do Paciente, através da Portaria 1.337/2013 do Ministério da Saúde.

Os 6 protocolos implantados no Brasil são os seguintes:

  • Identificar corretamente o paciente;
  • Melhorar a comunicação entre os profissionais de Saúde;
  • Melhorar a segurança na prescrição, no uso e na administração de medicamentos;
  • Assegurar cirurgia em local de intervenção, procedimento e paciente corretos;
  • Higienizar as mãos para evitar infecções;
  • Reduzir o risco de quedas e úlceras por pressão.

O ano de 2013 seguiu sendo o maior divisor de águas dentro do Brasil, com a publicação em dezembro da Portaria 3.390/2013, que instituiu a Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecendo as diretrizes para a organização do componente hospitalar da Rede de Atenção à Saúde (RAS). No mesmo ano, a Portaria 3.410/2013 estabeleceu as diretrizes para a contratualização de hospitais no âmbito do SUS, em consonância com o PNHOSP.

 

OS PROTOCOLOS DE SEGURANÇA DO PACIENTE

Conforme acima exposto, os protocolos nacionais foram aprovados no ano de 2013, com o objetivo de evitar a ocorrência de eventos adversos. Estes possuem as seguintes características:

  1. São Sistêmicos;
  2. São gerenciados;
  3. Promovem a melhoria da comunicação;
  4. Constituem instrumentos para construir uma prática assistencial segura;
  5. Oportunizam a vivencia do trabalho em equipe;
  6. Gerenciam os riscos.

 

Abaixo podemos verificar o objetivo básico de cada um dos protocolos e sua aplicabilidade prática:

  1. Identificar corretamente o paciente;

Objetivo: Confirmar a identidade dos pacientes antes de realizar exames e procedimentos.

Ações: Identificar os pacientes conforme política institucional, com pulseira utilizando os três primeiros nomes, sem abreviações e com a data de nascimento.

  1. Melhorar a comunicação entre os profissionais de saúde;

Objetivo: Registrar no prontuário todas as informações referentes aos cuidados, aos procedimentos e as condutas realizadas com o paciente.

Ações: Ao realizar transferências interna ou externa, aplicar a ferramenta SBAR para transmitir as informações de cuidados. Auditorias sistematizadas pela comissão de prontuário. Educação permanente efetiva com prontuários e relatórios.

  1. Melhorar a segurança na prescrição, no uso e na administração de medicamentos;

Objetivo: Antes de administrar qualquer medicamento, verificar: Paciente certo, medicamento certo, hora certa, via certa, dose certa e anotações corretas.

Ações: Medicamentos potencialmente perigosos identificados com etiquetas vermelhas. Dupla conferência e checagem dos medicamentos de alta vigilância. Serviço de farmácia clínica ativo. Instituição do plano medicamentoso.

  1. Assegurar cirurgia em local de intervenção, procedimento e paciente corretos;

Objetivo: Antes de qualquer cirurgia, verificar: o local, o funcionamento dos equipamentos e os procedimentos necessários.

Ações: Assegurar todas as etapas do checklist já implantado. Documentos no prontuário. Avaliação pré-anestésica. Lateralidade identificada. Consentimento informado. Identificação do paciente.

  1. Higienizar as mãos para evitar infecções;

Objetivo: Adotar a higienização correta e constante das mãos para prevenir infecções.

Ações: Higiene das mãos: Antes de tocar o paciente. Após tocar o paciente, após tocar as superfícies próximas ao paciente. Antes de realizar procedimento limpo/asséptico. Após risco de exposição a fluidos corporais.

  1. Reduzir o risco de quedas e úlceras por pressão;

Objetivo: Avaliar os pacientes em relação ao risco de queda, bem como as instalações físicas e assistência prestada.

Ações: Realizar escalas para identificação de riscos. Identificação do risco com pulseiras: Alergia (cor vermelha), bronco aspiração (cor azul), Lesão por pressão (cor verde), Queda (cor amarela).

 

A IMPLANTAÇÃO DOS NÚCLEOS DE SEGURANÇA DO PACIENTE

Embora a implantação dos núcleos seja lei desde 2013, infelizmente a obrigatoriedade tem sido ignorada em todo o território nacional. Somente 19% de todos os hospitais do país possuem o núcleo de segurança do paciente instalado. Ao todo, temos cerca de 6.700, e pelo menos 5.500 não possuem os núcleos devidamente cadastrados na ANVISA.

Por outro lado, embora os 6 protocolos mais acima dispostos tenham sido impostos pelo Ministério da Saúde, atualmente muitos hospitais possuem um núcleo bem mais desenvolvido, alguns chegando a ter 50 ou 60 protocolos diferentes, possuindo um núcleo com desenvolvimento muito maior do que a recomendação legal.

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