Por: Renato de Assis Pinheiro*
A crise no sistema de saúde já pode ser considerada, infelizmente, um “patrimônio nacional”. Desde antes da implantação do sistema universal de saúde pela CF/88, a prestação de serviços de saúde já era precária e ineficiente. Após a mudança, muitos brasileiros vivem a trágica situação de “arcar com os custos do SUS” através da esmagadora carga tributária, e ainda ter que pagar por um plano de saúde particular, caso deseje ter um atendimento minimamente digno em caso de necessidade.
A situação da maioria dos brasileiros, que dependem exclusivamente do SUS, é precária. Contudo, mesmo os 1/3 da população que podem pagar pelo “luxo” de um plano de saúde suplementar não levam tanta vantagem, tendo em vista o alto custo cobrado pelas empresas do setor frente ao deficiente serviço prestado, o que ocorre com vistas à permissiva e negligente regulação praticada pela ANS.
Diante deste quadro, cresce a cada dia a parcela da população brasileira que não tem acesso aos planos de saúde, mas também não quer depender exclusivamente do SUS. E esta demanda crescente fez surgir e crescer uma terceira via (entre o SUS e os planos de saúde suplementar): As associações e empresas que ofertam os “Cartões de Desconto em Saúde”.
A atividade surgiu ainda nos anos 70, décadas antes a regulação do setor da saúde e do surgimento da ANS, que só ocorreram após a CF/88. Seu desenvolvimento se deu no formato de associações sem fins lucrativos, e até hoje a atividade é desenvolvida por uma grande maioria de entidades desta natureza, sendo a grande parte pequenas e regionalizadas.
Nos últimos 15 anos a atividade cresceu exponencialmente, e por conta das sucessivas crises econômicas, houve uma grande migração de usuários dos planos de saúde suplementar. Na mesma esteira, o baixo custo atrai a cada dia uma parcela maior de brasileiros que sempre se valeu tão somente do SUS. Atualmente, estima-se que a atividade já atenda a mais de 12 milhões de brasileiros.
Os denominados “Cartões de Desconto em Saúde” são sistemas de descontos em serviços, com valores diferenciados a serem pagos diretamente pelos consumidores aos médicos, prestadores de serviços, laboratórios, clínicas e até mesmo hospitais, pela prestação de serviços assistenciais à saúde (exceto os de alta complexidade e custo). A economia com a modalidade chega a ser de até 80% em comparação com os planos de saúde suplementar.
A partir de 2020, com a crise sanitária, econômica e social causada pela pandemia do COVID-19 e o oportunismo dos planos de saúde que lucraram com a pandemia (em 2020 as operadoras tiveram o lucro recorde histórico, de 17 bilhões de reais), o crescimento das entidades que oferecem os “Cartões de Desconto na Saúde” chamou a atenção de todo o mercado. Sobretudo da ANS e das operadoras de saúde suplementar, que veem o crescimento do setor como uma ameaça.
Embora a atividade ainda seja praticada por uma maioria de associações, hoje temos a presença de inúmeras healthtech’s (startups do setor da saúde) atuando na área, e grandes empresas que já atendem a milhões de usuários. Embora ambos modelos (empresas e associações) sejam considerados legais, as diferenças entre a atividade empresarial e a associativa são colossais, e o emprego do modelo errado pode comprometer, chegando a ferir de morte a legalidade da operação da entidade. A adoção de um modelo ou outro depende de uma série de fatores, que deve ser analisada por um profissional com profundo conhecimento, tanto na área da saúde, quanto na atividade do Terceiro Setor, e por fim, em Direito Regulatório, a fim de enfrentar adequadamente a atuação da ANS.
Importante salientar que tais entidades (sejam associações ou empresas) não se confundem com planos de saúde, não se sujeitando às regras impostas pela Lei 9656/98 (Lei dos Planos de Saúde). Isto pelo menos a princípio, caso atuem de acordo com as regras legalmente estabelecidas, tanto para as startups quanto para entidades de Terceiro Setor (neste caso, com diversas regras e obrigações legais para que usufruam dos benefícios que o setor associativo estabelece).
Assim, caso tais entidades atuem sem ultrapassar a linha tênue que os segrega das operadoras de saúde suplementar, as associações e empresas que oferecem os “Cartões de Desconto em Saúde” atuam fora do alcance e interferência regulatória por parte da ANS.
Contudo, o que se nota no mercado é uma enormidade de entidades que atuam de forma desvirtuada, comercializando planos que possuem todas as características dos ofertados pelas empresas de saúde suplementar (se sujeitando assim à fiscalização e punição ANS, da PF e do Ministério Público) ou atuando sob o modelo associativo, mas ignorando todas as regras inerentes às entidades de Terceiro Setor, se sujeitando a um rol ainda maior de penalidades, inclusive em face de seus diretores e gestores.
A própria ANS já se manifestou diversas vezes sobre o assunto, afirmando que as associações e empresas que ofertam os descontos não são operadoras de saúde (neste caso, com toda razão). Alega ainda que estes produtos não garantem assistência integral à saúde (idem), dentre outras considerações.
Contudo, a agência generaliza equivocadamente sua posição, quando afirma que as entidades “induzem o consumidor a acreditar erroneamente que estão comprando um plano de saúde”. Prática que embora seja a realidade de uns poucos, por absoluto, não se mostra a da maioria, e não macula todo o segmento. Tal postura por parte da ANS só deixa claro a posição da agência em defender arduamente a reserva de mercado das operadoras de saúde suplementar, independente do correto enquadramento legal das empresas e associações em foco. Algo que infelizmente é uma regra quando analisamos a atuação das nossas agências reguladoras e autarquias, e ocorre por conta da forma como foi concebida a regulação de serviços públicos no Brasil.
No ano de 2010, a ANS enviou um ofício a todas as operadoras de saúde suplementar, determinando que cessassem imediatamente qualquer tipo de atividade que envolvesse “cartão de descontos ou pré-pago” sob pena de suspensão de comercialização de todos os planos, ou até a decretação de Regime Especial de direção técnica.
Já o CFM, que a princípio possuía uma visão negativa da atividade, mostrou-se recentemente favorável à atividade, o que foi formalizado através da Resolução nº 2.226/2019 (que revogou a Resolução CFM nº 1.649/2002, os artigos 4º e 5º e seu parágrafo único da Resolução CFM nº 2.170/2017 e alterou o artigo 72 do Código de Ética Médica), permitindo descontos em honorários médicos através de cartões de descontos e a divulgação de preços das consultas médicas de forma externa. Sem dúvidas, um avanço para o setor.
Por conta de não estarem diretamente ligadas à ANS, muitos creem que as associações e empresas que atuam com os Cartões de Descontos em Saúde atuam livres de qualquer regra, lei ou fiscalização. Contudo, tais entidades atuam sujeitas a todas as leis, normas e regras que qualquer outra empresa ou entidade que atua no setor da saúde, ou qualquer outro. Para o caso das que atuam no Terceiro Setor, o rol de obrigações e deveres é ainda maior, para fazer jus aos benefícios que o modelo associativo oferece.
Fato é que todas podem sofrer regularmente fiscalizações do Ministério Público e Polícia Federal, ou qualquer outro órgão do estado que entenda como oportuno. A própria fiscalização da ANS é uma realidade, dado o fato das entidades atuarem no setor da saúde, ainda que sem a prestação direta de serviços ao consumidor final.
No caso da ANS, as fiscalizações tem sido um grande inconveniente para as empresas e associações que atuam no setor, pois conforme já ressaltado, a agência possui uma visão crítica e preconceituosa para com as entidades, por motivos óbvios, sendo comuns as aplicações de multas que chegam a R$ 250.000,00 e o encaminhamento dos casos ao Ministério Público para ajuizamento de ACP’s visando o encerramento das atividades das entidades, e uma séria de penalidades a seus administradores e gestores.
Dessa forma, fica o alerta para que os diretores das associações e empresas de “Cartões de Descontos em Saúde” busquem uma consultora jurídica preventiva e especializada nas áreas da Saúde, Direito Regulatório e Terceiro Setor, para que atuem corretamente e tenham condições de se defender em casos de fiscalizações e ações da ANS, Ministério Público e Polícia Federal, que questionem a legalidade de suas atividades. Existem profissionais do direito preparados para auxiliar tais associações e empresas, e nestas situações a atuação deles é imprescindível para uma boa condução e solução dos casos.
Se você é administrador ou gestor de uma associação ou empresa que oferta Cartão de Descontos ou Cartão Pré-pago na área da saúde, não deixe de contar com uma consultoria preventiva, exclusiva e em tempo integral. O escritório Renato Assis Advogados Associados atua fortemente com foco na ação preventiva, acompanhando em tempo real os casos vividos pelos clientes antes mesmo de se tornarem uma eventual ação judicial ou administrativa.
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*Renato de Assis Pinheiro é advogado sócio do escritório Renato Assis Advogados Associados. É professor de Direito Regulatório, especialista em Direito da Saúde e Terceiro Setor; pós-graduado em Direito Médico pela Universidade de Araraquara (SP), conselheiro jurídico e científico da ANADEM (Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética).
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