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A Regulamentação da Proteção Patrimonial Mutualista no Brasil

Introdução

Desde o final de agosto, o mercado de Proteção Veicular vive um cenário de apreensão após a aprovação do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 519/2018 na Câmara dos Deputados. De autoria do corretor de seguros e ex-deputado federal Lucas Vergílio, o PLP originalmente visava proibir e criminalizar a Proteção Veicular, mas, ao longo da tramitação, sofreu modificações significativas, resultando em um texto que pacificou a tramitação, mas gerou controvérsia.

Com a aprovação na Câmara, o projeto foi renomeado como PLP 143/2024 no Senado Federal, onde já está sob análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Se aprovado sem modificações, seguirá para a sanção presidencial; se sofrer emendas, retornará à Câmara. Abaixo, exploramos as implicações do PLP 519/2018 para a Proteção Veicular e os desdobramentos esperados no setor.

  1. Histórico e Proposta do PLP 519/2018

O PLP 519/2018 tramitava desde 2018 e foi aprovado na Câmara dos Deputados com 439 votos favoráveis e apenas três contrários. A versão final altera o Decreto-Lei nº 73/66 e outras legislações relevantes, criando uma nova modalidade regulada de atividade denominada Proteção Patrimonial Mutualista.

Durante a tramitação o projeto recebeu 8 emendas, das quais apenas as emendas 1, 2, 4 e 8 foram acolhidas e as demais (3, 5, 6 e 7) rejeitadas. A rejeição da Emenda nº 3 foi particularmente significativa, pois ela visava preservar a identidade e contornos jurídicos do modelo de Socorro Mútuo, mantendo-o sob a tutela da Secretaria Nacional de Economia Solidária. A exclusão dessa emenda acabou por eliminar qualquer vínculo do projeto com o modelo associativo tradicional, o Socorro Mútuo.

  1. Função Social e Origem da Proteção Veicular

A Proteção Veicular surgiu no Brasil como uma alternativa ao mercado de seguros, oferecendo proteção patrimonial acessível à população negligenciada pelas seguradoras. A atividade é amparada pelo princípio do Socorro Mútuo, onde grupos restritos de auxílio mútuo contribuem para a proteção de seus bens, de maneira colaborativa e sem finalidade lucrativa.

Em duas décadas a modalidade se expandiu de forma acelerada, estimando-se a existência de mais de 4.500 entidades em todo o país. Institucionalizadas através de associações civis, modelos extremamente simples desburocratizados, o mercado de Proteção Veicular se desenvolveu com um modelo de administração amador e com pouco acesso a consultorias especializadas em Terceiro Setor, assumindo modelos jurídicos e práticas de gestão conflitantes com princípios e regras que norteiam as atividades associativas, e mais especificamente, as normas do Socorro Mútuo.

Em que pese os vícios inerentes a qualquer atividade de iniciativa popular, não podemos negar que a Proteção Veicular assumiu um papel indispensável na nossa sociedade, assumindo um lugar que na verdade, nunca foi ocupado pelo mercado de seguros, e cumprindo com um importante papel social.

  1. O desvio de finalidade e a repressão da SUSEP

Com a inexistência de regras específicas para a atividade e a ausência fiscalização adequada para o setor, naturalmente, surgiram problemas. Neste vácuo regulatório, muitas associações desvirtuaram sua natureza jurídica, assumindo modelos comerciais e mercantilizados, contrariando os conceitos e regras impostas à modalidade, sobretudo por desatender aos essenciais critérios de grupo restrito de auxílio mútuo. Por outro lado, a informalidade permitiu que muitas entidades fossem mal administradas, causando prejuízos aos associados em vez de lhes proporcionar segurança.

Outras entidades passaram a atuar com clara finalidade lucrativa, construindo seus planos de proteção de forma idêntica aos planos de seguros, e concorrendo diretamente com as seguradoras. Este movimento ocasionou retaliações do mercado segurador, através de campanhas difamatórias nos veículos de imprensa e uma forte atuação repressiva da SUSEP, através de processos administrativos e ações civis públicas, além da aplicação de multas e penalidades milionárias.

Apesar da forte repressão da SUSEP, o mercado de Proteção Veicular seguiu em franco crescimento, sobretudo pela pouca eficiência dos instrumentos jurídicos utilizados pela autarquia. Além disso, a estratégia da SUSEP de investir institucionalmente contra a atividade de Proteção Veicular, e não somente contra as que atuavam de forma desvirtuada, que lhe ocasionou seguidas derrotas nos tribunais, por todo o país, dado o fato de a atividade de Socorro Mútuo ser legal e regular perante pela legislação vigente, e não constituir crime de qualquer natureza.

  1. Da criminalização à regulamentação

O PLP 519/2018 começou a tramitar em 2018 como uma retaliação do mercado de seguros, diante dos inúmeros projetos de lei articulados pelo mercado de Socorro Mútuo para regulamentação da atividade. Seu objetivo inicial era proibir e criminalizar a Proteção Veicular, contudo, a iniciativa gerou uma forte reação social, com movimentos contrários e pressão a parlamentares, e o projeto acabou estagnando no Congresso Nacional até o ano de 2023.

Contudo, o franco crescimento do mercado de Proteção Veicular atraiu grande interesse mercado de seguros, há muito estagnado no Brasil e carente de desenvolvimento. Por outro lado, o governo federal viu na regulamentação da atividade uma possibilidade de expansão de receitas fiscais, para arcar com o custo de um país cada vez mais endividado. Estes fatores acabaram convergindo para a atuação do Congresso Nacional na tentativa de regulamentação da atividade. Neste sentido, o projeto que visava a proibição e criminalização da atividade acabou sendo modificado para a forma presente, de maneira rápida e silenciosa, mas com regras bastante controversas.

Não podemos ignorar que a atividade necessitava de alguma regulamentação ou no mínimo de uma fiscalização adequada, de forma a proteger os direitos dos associados e evitar que as entidades atuassem de forma desvirtuada, invadindo a seara dos Seguros Privados e ultrapassando a linha da legalidade. Mas não podemos esquecer de um fato incontroverso: a atividade é legal e totalmente sustentada pela legislação vigente, não carecendo de qualquer atividade legislativa que a valide, conforme tecnicamente comprovado no Poder Judiciário em todo o país.

  1. A Nova Modalidade: Proteção Patrimonial Mutualista

Embora muito se fale na regulamentação da Proteção Veicular, este é um conteúdo que absolutamente inexiste no projeto. Na verdade, o PLP 519/2018 institui uma nova atividade, que contrasta de forma absoluta os contornos jurídicos e históricos do Socorro Mútuo. A atividade que pode ser institucionalizada através do PLP 143/2024, em análise na CCJ do Senado Federal, é assim descrita pelo artigo 88-D:

Considera-se operação de Proteção Patrimonial Mutualista aquela que tenha por objeto a garantia de interesse patrimonial de um grupo de pessoas contra riscos predeterminados que sejam repartidos entre os seus participantes por meio de rateio mutualista de despesas.

Embora este conceito guarde certa identidade com o Socorro Mútuo, o arranjo denominado Proteção Patrimonial Mutualista é eminentemente empresarial e mercantil, trazendo todas as características dos Seguros Privados (embora não o seja) e é vinculado à regulação da SUSEP e do CNSP. Os conceitos associativistas inexistem nesta nova atividade, não se falando em grupo restritos ou de auxílio mútuo.

A figura das associações é muito pouco contemplada no novo arranjo e em todo o projeto, sendo citadas ocasionalmente em artigos que tratam dos novos agentes de destaque, que são os Grupos de Proteção Mutualista e as Administradoras de Operações de Proteção Mutualista. As associações, na verdade, são meras intermediárias entre estes agentes, praticamente sem direitos, mas com deveres bastante relevantes. Se havia algum resquício do Socorro Mútuo no projeto, ele foi enterrado com a rejeição da emenda número 3, que objetivava o abaixo disposto:

Autorizar as cooperativas de transporte, as associações e afins que tenham em suas entidades o número máximo de 3.000 (três mil) veículos em grupos denominados de ajuda mútua, ajuda solidaria, mutual, de rateio ou ainda denominações assemelhadas, a, se assim desejarem, a estarem “vinculadas” ao Ministério do Trabalho e Emprego, dentro da Economia Solidária, sob a tutela da Secretaria Nacional de Economia Solidária.

Fora este trecho (que restou rejeitado, vale repetir) não há nada na emenda substitutiva que remeta aos contornos jurídicos do Socorro Mútuo. O que podemos concluir é que o projeto institui no Brasil uma nova atividade, paralela ao Seguro Empresarial e o Socorro Mútuo: a Proteção Patrimonial Mutualista.

  1. Riscos e Oportunidades

Como o projeto foi articulado pelo mercado de seguros com o apoio do governo federal, nada mais natural do que atender primordialmente aos interesses institucionais destes agentes, embora sob a “cortina de fumaça” da preservação de direitos sociais através da regulamentação da atividade. Contudo, a análise cuidadosa das regras causa preocupação, pois o resultado final pode ser a violação dos interesses sociais, para atendimento dos institucionais.

A regras até então propostas causam grande preocupação, visto que a SUSEP gozará de uma liberdade regulatória inédita no Brasil, com amplos poderes para impedir o desenvolvimento da atividade, conforme tentado no passado, sem sucesso. Não podemos ignorar também a liberdade que o projeto outorga ao CNSP, que ao regulamentar o projeto após sua aprovação, terá poderes quase ilimitados para inviabilizar totalmente a atividade. 

Contudo, não podemos negar que caso se torne lei, há aspectos positivos a serem considerados. A Proteção Patrimonial Mutualista se materializa em uma atividade eminentemente empresarial, com claro escopo comercial e finalidade lucrativa. Se por um lado isso a afasta completamente do Socorro Mútuo, por outro, pode viabilizar uma atuação legítima dos hoje “empresários” do setor de Proteção Veicular, que poderão empreender de forma agressiva e concorrer com o mercado de Seguros Privados, sem as restrições impostas pelo associativismo.

Desta forma, a nova modalidade pode viabilizar uma atuação legítima de muitos empreendedores, que através de uma estrutura jurídica adequada, poderão atuar sem promover a violação das regras e condições impostas pelo associativismo. É claro que esta prerrogativa traz grandes responsabilidades e obrigações, pois o projeto impõe aos adeptos da Proteção Patrimonial Mutualista obrigações equivalentes às demais instituições operadoras do mercado securitário, nos termos do art. 88-O, o que provavelmente garantirá a efetividade dos direitos dos consumidores.

Portanto, caso optem pela atividade, estes empreendedores arcarão com os ônus da atividade, garantindo as operações com o patrimônio próprio, conforme art. 88-J, o que atualmente não acontece com as operações de Proteção Veicular. Assim, caso estejam dispostos a arcar com as obrigações e riscos impostos pelo projeto, muitos empreendedores possivelmente terão a oportunidade de se legitimar como empresários do setor de Proteção Patrimonial Mutualista, o que de fato somente saberemos após a regulamentação que será editada pelo CNSP após a conversão do projeto em lei, que pode ser inclusiva como sugerido, ou restritiva a ponto de reservar este mercado somente aos empresários do setor de Seguros Privados.

Outro fator que não pode ser ignorado é o abismo que separa as práticas de gestão das entidades de Proteção Veicular e as entidades de Proteção Patrimonial Mutualista. Acostumados com uma ampla liberdade de gestão que é peculiar ao associativismo, a adoção das práticas do mercado regulado causará um grande impacto cultural na estrutura de governança das entidades optantes. A título de exemplo, conforme a nova redação dada ao art. 36 do Decreto-lei 73/66, a SUSEP poderá regulamentar os planos de proteção, fiscalizar a contabilidade, liquidar as entidades e até dispor sobre seu orçamento financeiro. Já o art. 88-M dispõe que os regimes especiais de direção fiscal, intervenção e liquidação extrajudicial reger-se-ão pelas normas próprias legais e regulamentares aplicáveis às sociedades seguradoras. Por fim, não podemos deixar de citar o impacto financeiro que o modelo empresarial trará, com custos tributários, estruturais e regulatórios ainda incalculáveis.

Entre tantas variáveis, o que podemos presumir com assertividade é que a opção de migração do Socorro Mútuo para a Proteção Patrimonial Mutualista pode ser inviável para a maior parte do mercado. Mais do que isso, dificilmente será possível à maioria dos que atualmente militam no setor, e para chegar a esta conclusão, basta fazer uma conta bastante simples: há pouco mais de 100 seguradoras em atividade no Brasil, e menos de 30 atuam com cobertura de automóveis, portanto, nem o mais otimista deve esperar que a SUSEP permita a migração de 4.500 associações de Socorro Mútuo para a Proteção Patrimonial Mutualista.

  1. O futuro da Proteção Veicular

Considerando que a Proteção Patrimonial Mutualista não se confunde com a Proteção Veicular, podemos considerar que na verdade, a atividade associativa não foi regulamentada, ou mesmo minimamente afetada de forma direta. O Socorro Mútuo segue legal e juridicamente sustentado pelos mesmos pilares de antes do projeto.

Contudo, há um aspecto interessante a ser considerado: a Proteção Patrimonial Mutualista abrange, em grande parte, as distorções do modelo tradicional do Socorro Mútuo praticadas por muitas entidades no mercado. Portanto, podemos considerar que a criação deste novo modelo pode equalizar o mercado, ao regulamentar a Proteção Patrimonial Mutualista e não afetar diretamente o Socorro Mútuo (quando praticado em sua essência).

Assim, podemos considerar que o surgimento da Proteção Patrimonial Mutualista não inviabiliza a atividade de Socorro Mútuo, se bem administrada. Contudo, o projeto inviabiliza em absoluto a atuação desvirtuada que atualmente é praticada por inúmeras associações, por todo o país. Com a criação deste novo modelo empresarial e mercantil, atuar nestes moldes fora do âmbito da SUSEP será atividade objeto de consequências gravíssimas, dada a liberdade regulatória concedida pelo projeto à SUSEP

Portanto, as entidades associativas precisam aproveitar o prazo até a vigência da lei, para se adequar de fato às regras impostas pelo associativismo e inerentes ao Socorro Mútuo, pois as distorções que até então foram ignoradas, serão punidas com rigor.

  1. A Proteção Patrimonial Mutualista

Embora o projeto adie grande parte do escopo e das regras para um segundo momento, através da regulamentação do CNSP, já podemos aferir os contornos iniciais da nova modalidade. O artigo 88-D do PLP descreve o conceito jurídico da Proteção Patrimonial Mutualista da seguinte forma:

Considera-se operação de Proteção Patrimonial Mutualista aquela que tenha por objeto a garantia de interesse patrimonial de um grupo de pessoas contra riscos predeterminados que sejam repartidos entre os seus participantes por meio de rateio mutualista de despesas.

Embora este conceito guarde certa identidade com o Socorro Mútuo, o escopo do projeto elimina de forma absoluta o caráter associativista e colaborativo, que é substituído pela finalidade comercial e lucrativa. As associações são uma figura meramente decorativa, todas as funções, deveres e direitos são dos Grupos de Proteção Mutualista de um lado, e das Administradoras de Operações de Proteção Mutualista do outro. No mesmo sentido, o conceito de grupo restrito de auxílio mútuo, principal sustentáculo do Socorro Mútuo, não se mostra presente.

A figura central da Proteção Patrimonial Mutualista são as Administradoras de Operações de Proteção Patrimonial Mutualista. Segundo art. 32 e 36, a SUSEP e o CNSP irão regular a constituição das administradoras, que somente poderão ser fundadas com autorização prévia. Contudo, as condições e os parâmetros a serem adotados somente serão definidos pelo CNSP após a aprovação da lei, em regulamentação que será editada unilateralmente pelo órgão. Ou seja, as regras podem inviabilizar completamente a atuação da maior parte do mercado, ou permitir a adequação da maioria. Depende unicamente do CNSP, e suas políticas.

As Administradoras de Operações de Proteção Patrimonial Mutualista pagarão uma taxa de fiscalização equivalente à atualmente imposta às seguradoras de danos. Além da referida taxa, incidirá ainda sobre as Administradoras de Operações de Proteção Patrimonial Mutualista a competente carga tributária, que ainda será definida. Estas empresas são responsáveis pela apuração do rateio mutualista de despesas, conforme §1º e §2º do art. 88-F, nos termos a serem regulamentados futuramente, pelo CNSP. Estas empresas também são responsáveis pela cobrança mensal dos participantes, conforme §7º do art. 88-G e toda a movimentação financeira (entradas e saídas) ocorrerá conforme estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional e CNSP.

  1. A Regulação da SUSEP

Um aspecto preocupante do projeto é o nível de discricionariedade da SUSEP na regulação do mercado, a partir da vigência da lei. A título de exemplo, trazemos o parágrafo único do art. 88-O:

Os auditores e funcionários credenciados do órgão fiscalizador de seguros terão livre acesso às sociedades seguradoras, às sociedades cooperativas de seguros, às administradoras de operações de proteção patrimonial mutualista e aos resseguradores, deles podendo requisitar e apreender livros, notas técnicas, informações e documentos, caracterizando-se como embaraço à fiscalização, sujeito às penas previstas neste Decreto-Lei, qualquer dificuldade oposta aos objetivos deste artigo.

O referido artigo confere ampla liberdade aos auditores e funcionários da SUSEP, que terão livre acesso às administradoras, podendo requisitar e apreender dados e documentos, sendo que qualquer dificuldade pode caracterizar-se como embaraço à fiscalização.

O art. 88-P impõe, em caso de embaraços à fiscalização, o pagamento multa diária até o limite de R$ 100 mil, sem prejuízo da instauração de processo administrativo, e da aplicação das penalidades previstas no art. 108, que prevê multas que podem chegar a R$ 105 milhões, além da inabilitação de atuação no mercado por até 20 anos. Trata-se de penalidades gravíssimas a serem aplicadas mediante critérios totalmente subjetivos, o que pode legitimar uma atuação regulatória arbitrária, diante de condutas sequer são adequadamente tipificadas ou descritas.

O art. 121-A prevê possibilidades ainda mais gravosas, permitindo que a SUSEP, antes mesmo da instauração de processo administrativo sancionador, determine o afastamento de administradores e membros da diretoria, e suspenda a autorização de atuação e impeça-os cautelarmente de atuar. Segundo o texto, a autarquia pode ainda determinar a interrupção das entidades, sob pena das multas e penalidades previstas no art. 108. Como se não bastasse, o inciso VIII autoriza a autarquia a adotar quaisquer providências que entender necessárias, conforme diretrizes do CNSP, concedendo à SUSEP poderes absolutos e prerrogativas totalmente absurdas diante do administrado.

Em relação às penalidades previstas, o art. 108 indica que caso de infração às normas impostas pelo CNSP e pela SUSEP, podem ser aplicadas, a critério da autarquia, a penalidade de advertência, suspensão de atuação, inabilitação de atuação de até 20 anos e multas de até R$35 milhões. Como se não bastasse, o §5º permite que as multas sejam triplicadas em caso de reincidência. O artigo prevê penalidades pesadíssimas, que podem ser aplicadas por conta dos “embaraços” previstos em artigo anterior, ou seja, condutas sequer tipificadas adequadamente.

Dentre outros absurdos, chama a atenção a disposição presente no art. 113, que dispõe que qualquer pessoa física ou jurídica que “atue no mercado sem a prévia e expressa autorização da SUSEP” estará sujeita às penalidades previstas no art. 108, triplicadas. Ou seja, as multas podem chegar a R$ 315 milhões, e a inabilitação de atuação no mercado ao prazo de 60 anos. Pelo texto, nota-se que tais penalidades certamente serão impostas pela SUSEP a quem atuar sob a estrutura do Socorro Mútuo, mas trazendo consigo modelo de negócio típico de Seguro Privado ou de Proteção Patrimonial Mutualista.

Por fim, o Inciso II do art. 115 que dispõe que todas estas podem também ser aplicadas a quem “contribuir para gerar indisciplina nos mercados supervisionados pela SUSEP”, ou “dificultar o conhecimento da real situação patrimonial ou financeira das operações” conforme critérios da própria autarquia e do CNSP, texto que concede à SUSEP poderes para aplicar as referidas penalidades em qualquer pessoa, por qualquer motivo, gozando de uma discricionariedade punitiva inédita a qualquer agência reguladora ou autarquia, na história do Brasil.

Com todos estes aspectos negativos, não será surpresa se a modalidade Proteção Patrimonial Mutualista tiver uma adesão mínima, após regulamentada, fazendo com que o projeto, se convertido em lei, se torne mais uma norma que só existe no papel.

  1. Cenário Futuro e Planejamento Estratégico

Com todas as possibilidades e projeções existentes para o próximo ano, o melhor caminho para quem atua no setor de Proteção Veicular é aproveitar o último trimestre de 2024 para planejar o futuro com assertividade. Como opções para atuação a partir de 2025, na eventualidade da aprovação e vigência do projeto objeto desta análise, existirão as seguintes opções:

  • Manter o Modelo Associativo: as entidades que optarem por manter o modelo tradicional de Socorro Mútuo terão que assegurar uma atuação estritamente conforme os princípios do associativismo. Qualquer desvio pode levar à aplicação das penalidades severas previstas no PLP;
  • Migrar para Proteção Patrimonial Mutualista: para aquelas dispostas a arcar com as obrigações legais, a migração pode permitir uma atuação mais formalizada no mercado, desde que se adaptem às exigências do CNSP e da SUSEP, que ainda serão regulamentadas;
  • Ingressar no Mercado de Seguros Privados: uma opção a ser considerada é o ingresso no mercado tradicional de seguros, especialmente com a terceira edição do Sandbox Regulatório da SUSEP, que oferece um ambiente mais flexível para novos entrantes.

Para as entidades que decidirem se manter no modelo associativo de Socorro Mútuo, existirão muitos desafios a partir de 2025. Embora muitos imaginem que baste permanecer no modelo atual, a atuação dentro dos moldes do Socorro Mútuo precisará ser 100% assertiva, atendendo a todos os critérios associativos e legalmente impostos para a atividade, sem as distorções que habitualmente existem em muitas entidades. Caso estas distorções sigam presentes, a operação poderá ser considerada como de Proteção Patrimonial Mutualista irregular, à margem da regulamentação da SUSEP, cabendo todas as pesadas penalidades aqui citadas, dentre muitas outras.

No caso das entidades que consideram a migração para o novo modelo regulado pela SUSEP, é indispensável que se compreenda todas as nuances que já foram apontadas pelo texto atual do projeto. Para tanto, é importante acessar o e-book que preparamos com a análise de todo o conteúdo, para uma tomada de decisão 100% consciente.

 

  1. Checklist de Ações Imediatas

Independente do caminho a ser trilhado, é preciso se organizar imediatamente, aproveitando com sabedoria o pouco tempo disponível para estruturar sua entidade e deixá-la apta à adoção do melhor modelo de negócio, em um futuro próximo. Portanto, é importante que já sejam providenciadas as adequações necessárias, com a equipe jurídica especializada em Socorro Mútuo e Direito Regulatório da sua confiança.

Abaixo, indicamos algumas medidas imediatas a serem adotadas: 

  1. Preparação da Estrutura Jurídica: ajustar estrutura jurídica atual aos requisitos mínimos legais que poderão ser exigidos futuramente, em caso de mudança;
  2. Viabilidade financeira e operacional: avaliar a viabilidade financeira e operacional da possível migração do modelo de negócio atual, para algum dos demais modelos;
  3. Elaboração de um Plano de Adequação: planejar as mudanças necessárias para atender aos requisitos dos modelos alternativos, antecipando potenciais obstáculos;
  4. Fortalecimento da Governança Interna: Implementar práticas de compliance e controle financeiro, para garantir a conformidade e transparência que serão exigidos em 2025;
  5. Due-diligence: Realizar um minucioso processo de due-diligence dos diretores, antecipando problemas e preparando as pessoas físicas para um modelo empresarial regulado.

Independente do caminho a ser adotado no futuro, é preciso iniciar imediatamente um planejamento estratégico que garanta opções futuras para uma tomada de decisão adequada, permitindo que sejam aproveitadas as muitas lacunas existentes no projeto para que a operação, independente do modelo, siga sendo administrada com segurança e legalidade, sobretudo em relação aos grupos não aderentes ao novo modelo criado pelo projeto.

Conclusão

A aprovação do PLP 519/2018 transformará profundamente o mercado de proteção patrimonial no Brasil. As entidades de Proteção Veicular têm pela frente um desafio complexo e exigente, que envolve a tomada decisões estratégicas sobre seu futuro. Seja mantendo o modelo associativo, migrando para a Proteção Patrimonial Mutualista ou entrando no mercado de Seguros Privados, é essencial estar preparado para as novas exigências regulatórias e operacionais.

As associações devem agir rapidamente para estruturar seus negócios para o futuro, aproveitando o escasso tempo disponível para preparar um plano sólido, será a chave para sucesso nesse novo cenário regulatório. A adaptação às novas normas será um diferencial de sobrevivência para aqueles que desejam continuar no mercado.

Se você ainda tem dúvidas sobre as regras já divulgadas do PLP 519/2018, acesse o e-book que preparamos com a análise completa do conteúdo do projeto, e saiba todos os detalhes das regras que serão impostas à nova atividade de Proteção Patrimonial Mutualista.  

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