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A experiência do paciente

São notáveis as mudanças pelas quais nossa sociedade passou nas últimas décadas. Evoluímos mais nos últimos 100 anos, do que nos 2000 que os antecederam. E neste aspecto, chama a atenção as grandes mudanças na forma das pessoas se relacionarem. A tecnologia impactou diretamente nas relações humanas, sobretudo as profissionais, merecendo destaque o “empoderamento” dos clientes (hoje, consumidores), e a notável elevação de seu nível de exigência, junto aos fornecedores de bens e serviços.

A democratização da oferta através das redes sociais foi um aspecto relevante, pois no passado, anunciar nos meios de comunicação até então disponíveis (TV, rádio, revistas) era para poucos. E o aumento da concorrência (causada pelo excesso de oferta) foi outro divisor de águas, pois no passado era comum a escassez de alguns produtos/serviços e profissionais (como os médicos). Por fim, o cliente, que era tratado como um recurso inesgotável (e até descartável) tempos atrás, se transformou em um ativo altamente disputado em qualquer mercado.

Hoje, atender minimamente à necessidade dos clientes não é mais suficiente para os satisfazer. Por este motivo, as empresas passaram a focar na experiência do cliente. E este tem sido o caminho do sucesso dos negócios de maior destaque no mundo, como a Amazon, a Apple, e a Disney. Contudo, é interessante notar o quanto este conceito está atrasado no setor da saúde, onde o movimento ainda é discreto entre profissionais, clínicas e hospitais.

Atualmente, cada vez mais médicos e dentistas decidem ir além das atividades clínicas, e empreender, se tornando empresários do setor da saúde, por meio de clínicas, consultórios e hospitais. Trata-se de um movimento natural e assertivo, visto que proporciona grandes oportunidades e contribui para a democratização do acesso à saúde. Contudo, muitos se aventuram sem conhecimentos indispensáveis à gestão de suas empresas, e o resultado acaba sendo típico dos negócios mal administrados: pacientes frustrados, colaboradores insatisfeitos, e muito stress e prejuízos aos empreendedores.

Atuando há mais de 15 anos como advogado de centenas de profissionais e empresas no setor da saúde, sou testemunha do quanto essa deficiência na gestão é prejudicial aos negócios. Em muitos casos, o que sobra nos médicos e dentistas em conhecimento técnico e científico em sua área de atuação, falta-lhes como administradores, gestores, diretores e líderes. Isso sem falar na falta de conhecimento em ciências como marketing e direito. E com a falta de tempo para focar em todas estas atividades, e a escassez de profissionais qualificados para cuidar de cada uma dessas áreas preventivamente, o resultado acaba sendo frustrante nos dois extremos: para o dono do negócio (que colhe maus resultados), e para os pacientes (que vivem uma experiência ruim). E essa má experiência, muitas vezes vivida pelos pacientes, é o nosso ponto focal no presente artigo.

A maior parte dos processos éticos e ações judiciais existentes contra médicos e dentistas, está ligada a queixas de pacientes. Muitos acreditam que a causa de tantos problemas se limita à insatisfação com o resultado dos tratamentos e procedimentos. Mas a análise atenta dos casos concretos mostra uma realidade diversa: o motivo da maior parte das queixas é a experiência negativa vivida pelos pacientes, independente do resultado.

Anos atrás, tive o prazer de conhecer um médico que trabalha este conceito com brilhantismo. Trata-se do Dr. André Chiga, cardiologista que atualmente divide seu tempo entre a prática da medicina no hospital que dirige, e suas atividades à frente da Sociedade Brasileira de Médicos Executivos – SOBRAMEX, entidade dedicada a levar os médicos a outro nível de consciência na direção de seus negócios. Sua atuação como médico nos últimos anos lhe expôs a crescente “dor” dos pacientes neste sentido, e o perfil visionário o induziu a empreender nesta direção, levando aos colegas médicos conhecimentos que, embora aparentemente alheios à medicina, são indispensáveis à boa prática da mais bela das profissões, no século XXI. Hoje tenho Dr. Chiga como um grande parceiro, no trabalho de conscientização dos médicos acerca da necessidade do foco na experiência do paciente.

Podemos citar como um dos erros cometidos com maior frequência por médicos e dentistas, o alto investimento feito na publicidade (sobretudo em redes sociais), aliado ao abandono do cuidado com a experiência do paciente. O que prejudica de forma grave o ciclo de crescimento do negócio. Pois a publicidade atrai o paciente apenas uma vez, e ele só permanece caso sua experiência seja positiva. Se não há preocupação com a experiência do paciente, será preciso captar novos pacientes eternamente, através da publicidade.

Por outro lado, a má experiência vivia pelo paciente não causa somente o abandono do profissional. Ele elimina as preciosas indicações, e pode  gerar uma legião de ex-pacientes insatisfeitos, fazendo uma fervorosa publicidade negativa nas redes sociais, o que pode ferir de morte a reputação do profissional.

Dr. Chiga, apresenta esta lógica de forma simples e eficiente, conforme abaixo demonstrado:

Se o RESULTADO é POSITIVO e a EXPERIÊNCIA é POSITIVA, o paciente RECOMENDA.
Se o RESULTADO é POSITIVO e a EXPERIÊNCIA é NEGATIVA, o paciente SE QUEIXA.
Se o RESULTADO é NEGATIVO e a EXPERIÊNCIA é POSITIVA, o paciente fica NEUTRO.
Se o RESULTADO é NEGATIVO e a EXPERIÊNCIA é NEGATIVA, o paciente SE QUEIXA.

Conforme a lógica acima, o que define a postura do paciente entre a recomendação e a queixa é a experiência vivida, independente do resultado do tratamento. E segundo Dr. Chiga, a experiência do paciente envolve inúmeros aspectos: políticas internas, controles, tecnologia, influência dos colaboradores, fornecedores, inovação, engajamento dos pacientes (e de suas famílias), e infraestrutura. Mas em meio a tantos requisitos, os mais importantes são: cultura e liderança, e a qualidade assistencial.

Em relação à qualidade assistencial, é preciso entender que o paciente de hoje, não é mais o de antigamente. Seu nível de exigência cresceu como nunca nos últimos anos, inclusive no aspecto legal, sendo atualmente equiparados a consumidores. E a grande oferta no mercado lhe dá um poder de escolha, que não existia no passado. Portanto, além de prestar um atendimento tecnicamente assertivo, é preciso que este seja humanizado e cuidadoso, de forma a atender as expectativas do paciente (ou consumidor) de forma ampla e irrestrita. Aquela relação autoritária (e até grosseira) de outrora, não cabe junto ao paciente do século XXI.

E é exatamente neste ponto que entra a cultura e a liderança. Pois o atendimento ao paciente não se limita ao médico ou dentista, mas a toda a sua estrutura e equipe, do porteiro, ao cirurgião. Portanto, não adianta só o médico ou dentista focar na experiência do paciente, se sua equipe não se importar com isso. Podemos citar como exemplo as secretárias que tratam o chefe como um Deus, mas não trata bem os pacientes. Algumas por maus hábitos próprios, outras por “espelharem” o comportamento de seu próprio chefe, com os pacientes (caso no qual a cultura ruim vem da liderança). Portanto, se você se orgulha de sua secretária “pitbull”, é bom começar a repensar este comportamento. Assim, além de empresário e gestor, o médico precisa também ser um bom líder, e o responsável pela (boa) cultura de sua empresa. Pois o líder que não se ocupa de implantar a sua própria cultura em sua empresa, vê seus funcionários o fazerem.

Caso estes aspectos não sejam devidamente observados pelos médicos e dentistas em seus negócios, é certo que muitos de seus pacientes terão experiências ruins. E Essa frustração das expectativas é o que gera as crises, que caso não sejam adequadamente gerenciadas, se tornam processos judiciais e éticos. Independente do resultado do tratamento. E para organizar seu negócio, o profissional precisa ter o DOM (disciplina, organização e método).

Portanto, não adianta prestar um serviço técnico brilhante, mas dar um atendimento deficiente e desumanizado, como receber os pacientes com grande atraso, realizar as consultas com a atenção na tela do smartphone, não prestar informações completas e detalhadas ao paciente, e os atender como se lhes fizesse um favor, dentre inúmeras outras condutas reprováveis, que degradam a percepção de valor do paciente.

Portanto, os médicos e dentistas precisam ressignificar sua forma de atendimento, e de gestão de suas empresas e colaboradores. Pois via de regra, os erros apontados neste artigo, são cometidos e repetidos de forma automática e inconsciente, causando a frustração dos pacientes e gerando as consequências apontadas.

A satisfação do cliente está diretamente relacionada com sua experiência, e não com resultado do tratamento. A experiência do paciente é que vai definir se ele irá te recomendar, ou mover uma ação ética/judicial. E após mais de 15 anos defendendo profissionais em processos éticos/judiciais e gerenciando crises com pacientes, entendo que focar na experiência do paciente não é uma escolha, mas uma questão de sobrevivência no concorrido setor da saúde.

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