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Lei Complementar 213/2025: Análise Jurídica e Cenários Futuros

A Lei Complementar nº 213/2025, que criou a atividade de Proteção Patrimonial Mutualista, foi sancionada pelo Presidente da República e publicada no Diário Oficial da União em 16 de janeiro de 2025. A norma é originária do Projeto de Lei Complementar nº 519/2018 do Deputado Federal Lucas Vergílio, que tramitou no Senado como Projeto de Lei Complementar nº 143/2024.

Embora muito se fale na “regulamentação da Proteção Veicular”, esse conceito sequer é citado no projeto. Na realidade, o PLP 519/2018 estabeleceu uma nova atividade regulada no ordenamento jurídico brasileiro, cujas características contrastam significativamente com os contornos jurídicos e conceituais da Proteção Veicular. Trata-se de um arranjo empresarial e mercantil que incorpora várias características dos seguros privados, afastando-se completamente das atividades associativas típicas e dos princípios mutualistas, embora a própria lei afirme que não se trata de uma modalidade de seguro.

1.  O Veto Presidencial

Ao sancionar a nova lei, o Presidente vetou, por inconstitucionalidade, o artigo 11, que previa a criação de 26 (vinte e seis) Cargos Comissionados Executivos (CCE) e Funções Comissionadas Executivas (FCE) na estrutura da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), com vigência já a partir de 1º de janeiro de 2025.

Segundo a justificativa do veto, essa criação de cargos extrapolaria os limites constitucionais, pois só poderia ser proposta pelo próprio Poder Executivo, e representaria um custo injustificado estimado em quase R$ 2 milhões por ano.

2.  A Repercussão no Mercado

A sanção da lei foi amplamente comemorada pelos principais portais e sites do mercado de seguros, assim como por corretores de seguros. O presidente da Federação Nacional dos Corretores de Seguros (FENACOR), Armando Vergilio, celebrou a aprovação da norma, afirmando:

“Essa é a principal notícia de todos os tempos para o mercado.”

Isso amplia o mercado, que poderá alcançar o seu lugar comparado com a própria economia. Esse tipo de ação vai fazer com que o mercado possa realmente se desenvolver.”

No próprio site da SUSEP, a sanção da lei foi anunciada como um grande avanço regulatório, destacando que:

“A nova legislação estabelece um marco regulatório para cooperativas de seguros e associações de proteção patrimonial, inserindo esses novos atores no Sistema Nacional de Seguros Privados e ampliando o alcance de supervisão da Susep.”

Claramente, a nova legislação foi bem recebida pelo setor de seguros, que a considerou “a principal notícia de todos os tempos”, principalmente porque fortalece os poderes regulatórios da SUSEP e amplia seu alcance sobre a nova atividade. O Plano de Regulação da SUSEP para 2025, inclusive, já prevê a implementação das diretrizes estabelecidas pela lei complementar.

2.1  A Reação do Mercado de Proteção Veicular

A mesma euforia vista no mercado de seguros também foi compartilhada pelo setor de Proteção Veicular até meados de 2024, quando o discurso predominante girava em torno da regulamentação da atividade, sem que o texto da proposta fosse conhecido.

Entretanto, com a publicação do teor do PLP 143/2024 após sua aprovação na Câmara dos Deputados, o mercado de Proteção Veicular passou a questionar e rejeitar massivamente o projeto, argumentando que o texto não atenderia às necessidades reais do setor e da sociedade. A mudança de postura revelou um descompasso entre as promessas de regulamentação e a realidade das exigências impostas pela nova legislação.

3.  A Vigência da Lei Complementar

O artigo 13 da Lei Complementar estabelece um cronograma escalonado para a entrada em vigor de suas disposições, dividindo seus efeitos em três momentos distintos:

Art. 13. Esta Lei Complementar entra em vigor:

I – quanto ao art. 3º, na parte em que altera o Capítulo X do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966 (Lei do Seguro Privado), após decorrido 1 (um) ano de sua publicação oficial;

II – quanto ao art. 3º, na parte em que acresce o § 4º ao art. 88-E do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966 (Lei do Seguro Privado), após decorridos 4 (quatro) anos de sua publicação oficial;

III – quanto aos demais dispositivos, na data de sua publicação.

A maior parte da lei entrou em vigor imediatamente com sua publicação no Diário Oficial da União, o que significa que suas disposições já possuem aplicabilidade imediata. Contudo, a lei prevê prazos diferenciados para dispositivos específicos, visando permitir uma transição gradual para as novas regras.

Os trechos que alteraram o Capítulo “X” do Decreto-Lei nº 73/1966, que tratam do novo regime sancionador (infrações e penalidades, rito do processo administrativo, medidas acautelatórias e termo de compromisso) entrarão em vigor somente após 1 (um) ano da publicação da lei, oferecendo um prazo adicional para todos se adequarem às mudanças estruturais.

Já o § 4º do art. 88-E, que trata especificamente da substituição do regime de cadastro pelo de credenciamento na SUSEP, terá vigência apenas após 4 (quatro) anos da publicação da lei no DOU.

O cronograma de entrada em vigor escalonado reflete uma tentativa de equilibrar a necessidade de adaptação do setor às novas regulamentações, com a urgência de implementar mudanças. No entanto, seus impactos variam conforme o perfil das entidades afetadas. O prazo mais extenso para vigência é benéfico por um lado, pois permite que as associações e cooperativas que deseja aderir à regulamentação ajustem suas práticas e estruturas de forma mais planejada e sustentável, o que pode beneficiar sobretudo as entidades menores, que precisam de mais tempo para se adaptar às exigências regulatórias.

Por outro lado o prazo traz riscos por criar incertezas no mercado durante o período de transição, com entidades operando em um ambiente de regras parcialmente aplicáveis, gerando interpretações divergentes ou até conflitos jurídicos.

4.  As Divergências entre o PLP e a Lei Complementar

O texto sancionado pelo Presidente da República foi publicado com centenas de alterações redacionais e corretivas, que contudo, não promovem mudanças substanciais no contexto jurídico.

A principal modificação foi, sem dúvidas, o veto à criação de 26 (vinte e seis) novos cargos na SUSEP. Esse veto ocorreu devido à clara inconstitucionalidade da proposta, pois a criação de cargos comissionados só pode ser feita por iniciativa do próprio Poder Executivo, conforme entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal (STF).

Contudo, uma outra alteração significativa merece destaque: a inclusão do § 3º no art. 88-D, que prevê a autorização para operações em regime especial para grupos de transporte de cargas. O dispositivo traz a seguinte disposição:

“A operação de proteção patrimonial mutualista destinada exclusivamente ao transporte de carga prevista neste Capítulo deverá ter regulamentação específica pelo CNSP.”

 A inclusão desse parágrafo estabelece um regime especial, determinando que sua regulamentação será feita de forma distinta e específica pelo CNSP, fora das regras impostas às demais categorias. Essa mudança é altamente relevante, pois visa preservar a natureza mutualista e associativa das entidades de socorro mútuo no setor de transporte de cargas, ao passo que institui uma diferenciação normativa em relação às demais entidades aderentes à regulamentação.

Além disso, essa diferenciação abre caminho para a busca por isonomia por parte de outras categorias que compartilham características semelhantes, e portanto merecem um tratamento isonômico por parte do Estado, conforme previsto na Constituição Federal. Esse tema será mais aprofundado mais a seguir, em outro artigo jurídico a ser publicado nas próximas semanas, com uma análise detalhada dos impactos que a criação deste regime especial pode causar, e sobretudo, no direito à isonomia do qual gozam outras categorias afetadas pela lei.

5.  O Cadastramento na SUSEP

Após a sanção da Lei Complementar nº 213/2025, surgiram inúmeros questionamentos sobre a obrigatoriedade de cadastramento imediato na SUSEP. No entanto, o cadastramento na SUSEP somente é obrigatório para as entidades que desejam aderir à regulamentação e migrar sua operação para o modelo de Proteção Patrimonial Mutualista, modalidade criada pela nova legislação.

A norma prevê, em seu artigo 9º, um prazo de 180 (cento e oitenta) dias para que as entidades de Proteção Veicular optem entre se cadastrar na SUSEP, ou cessar suas atividades:

Art. 9º As associações e as demais entidades que, na data de publicação desta Lei Complementar, estiverem realizando atividades direcionadas à proteção contra riscos patrimoniais, pessoais ou de qualquer outra natureza, socorros mútuos e assemelhados, sem a autorização da Susep, deverão, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da publicação desta Lei Complementar:

I – promover a alteração de seu estatuto social ou contrato social para atender ao disposto no inciso I do § 1º do art. 88-E do Decreto-Lei no 73, de 21 de novembro de 1966 (Lei do Seguro Privado), e efetuar cadastramento específico perante a Susep; ou

II – cessar as atividades referidas no caput deste artigo.

§ 1º Para se cadastrar perante a Susep, as associações e demais entidades deverão firmar termo específico declarando que irão adequar-se à legislação pertinente, nos prazos e termos a serem definidos pelo CNSP.

Nota-se que a lei impõe um prazo que, em tese, já se encontra em curso. Contudo, como o CNSP ainda não emitiu a regulamentação da lei, e nem se manifestou firmando alguma data para que a publique. Portanto, o cadastramento na SUSEP éum verdadeiro “casamento às cegas”, visto que as entidades estariam firmando um compromisso, sem conhecimento das regras e prazos a serem atendidos. Em caso de discordância das condições, caberia somente a cessação das atividades, conforme previsto no § 9º do art. 9º, abaixo transcrito:

§ 9º As associações e as demais entidades referidas nesta Lei Complementar que cumprirem o cadastramento conforme disposto no § 1º deste artigo, e após conhecimento da regulamentação de que trata o inciso II do § 1º do art. 88-E do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966 (Lei do Seguro Privado), a ser editada pelo CNSP, poderão optar pela cessação das suas atividades no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data de publicação dessa regulamentação, sem prejuízo do disposto nos §§ 2º a 5º deste artigo.

Embora o mais coerente fosse o início do prazo para cadastramento após a publicação da regulamentação pelo CNSP, não é o que dispõe a Lei Complementar, o que coloca os interessados na adesão ao novo modelo em uma situação de extremo risco. A situação poderia, contudo, ser corrigida pelo CNSP no momento da regulamentação, sendo determinada a contagem do prazo a partir da regulamentação, mas não há qualquer indicativo ou garantia de que isso ocorra.

Diante da interpretação literal da norma, podemos indicar os seguintes impactos em relação ao cadastramento:

a) O cadastramento é imediato

A lei estabelece o prazo de 180 (cento e oitenta) dias desde a publicação da lei, já estando em curso. Contudo, o cadastramento ainda não é possível, pois a Lei Complementar não detalha o processo de cadastramento, nem especifica os documentos e requisitos necessários. A norma delega essa atribuição ao CNSP e à própria SUSEP, que deverão criar o procedimento em breve.

b) O cadastramento implica na aceitação integral das regras

O § 1º do artigo 9º estabelece que o cadastramento na SUSEP exige a assinatura de um termo, no qual a entidade declara que irá se adequar integralmente às normas, antes que as mesmas sejam publicadas e conhecidas, o que representa um risco inaceitável.

c) Ausência de regulamentação

O cadastramento é obrigatório para os interessados em aderir, mesmo com a ausência da regulamentação. Caso a associação discorde dos termos impostos após o cadastramento, a única opção será o encerramento suas atividades, sem qualquer garantia de que seus passivos anteriores serão “anistiados”.

d) Incerteza sobre os benefícios da “anistia”

Mesmo com o cadastro e o aceite das regras após serem publicadas, a lei não garante a ampla anistia dos problemas jurídicos preexistentes como prometido. Não existe o “perdão automático” de pendências tributárias, administrativas ou judiciais relacionadas às entidades e seus diretores.

Em conclusão, o processo de cadastramento na SUSEP é um desastre, levanta suspeitas sobre a boa fé de seus autores em relação aos aderentes, e cria um ambiente de extrema incerteza e risco, mesmo aos interessados em aderir ao modelo regulado. Ademais, vale dizer que não se trata de algo obrigatório a todo o mercado, mas apenas aos que optarem por aderir à regulamentação.  Entretanto, essa decisão não pode ser tomada de forma precipitada, pois o cadastramento implica compromisso definitivo com prazos e regras ainda desconhecidos, cujos detalhes sequer foram publicados pelo CNSP e pela SUSEP.

6.  A Regulamentação da Lei pelo CNSP

A Lei prevê que o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) irá emitir a regulamentação necessária para a implementação da nova legislação. Contudo, o órgão não se manifestou sobre o prazo em que publicará as regras, deixando todo o mercado em grande expectativa, pois muitos aspectos operacionais só poderão ser aplicados após a publicação dessas normas complementares, o que gera uma série de desafios e incertezas para as entidades interessadas no novo modelo. A seguir, destacamos os principais impactos da dependência da regulamentação do CNSP:

a) Incertezas nos detalhes operacionais

Até que o CNSP publique a regulamentação, as associações e cooperativas permanecem em uma posição de espera, sem segurança para realizar o cadastramento e sem clareza sobre aspectos essenciais da adequação ao novo modelo regulatório, tais como:

  • Critérios técnicos e documentais para cadastramento e operação;
  • Formato exato dos fundos de reserva obrigatórios;
  • Exigências contábeis, administrativas e de governança.

Essa ausência de informações concretas dificulta o planejamento estratégico das entidades, que precisam em um prazo cada vez mais curto, aguardar diretrizes claras para tomar decisões seguras.

b) Planejamento provisório

As entidades podem iniciar ajustes gerais, como diagnóstico e revisão jurídica para garantir conformidade com os princípios mutualistas, e análises financeiras para identificar os impactos da regulamentação.

No entanto, qualquer decisão definitiva deve aguardar a análise da regulamentação do CNSP, pois somente após sua publicação será possível avaliar a viabilidade real da adesão ao novo modelo.

c) Pressão sobre o prazo de cadastro

O prazo de 180 (cento e oitenta) dias para cadastramento, em tese, já está em curso. Contudo, sem a publicação das regras pelo CNSP, trata-se de um verdadeiro “salto de fé”. Além disso, a demora na emissão das normas pelo CNSP poderá comprimir significativamente o tempo disponível para adequação, exigindo mudanças apressadas e possivelmente prejudiciais para as entidades.

Com base neste quadro de incertezas criado pela Lei Complementar, elaboramos algumas sugestões para que as entidades aproveitem adequadamente o tempo disponível para aplicabilidade total das disposições legais.

I) Participação Ativa:

As associações e cooperativas devem acompanhar e participar ativamente de consultas públicas, audiências e discussões promovidas pelo CNSP e pela SUSEP. Ações recomendadas:

  • Cobrança da publicação das regras pelo CNSP, e exigência da extensão do prazo de cadastramento, que deveria ter início somente a partir da referida publicação;
  • Monitoramento constante das movimentações do CNSP;
  • Mobilização do setor para influenciar as regulamentações;
  • Participação em reuniões e debates sobre o tema, tanto em órgãos públicos quanto em entidades privadas representativas.

II) Acompanhamento Jurídico Especializado:

O acompanhamento de advogados especializados no setor será essencial para:

  • Interpretar rapidamente cada nova norma publicada;
  • Tomar decisões estratégicas de forma segura;
  • Mitigar riscos e garantir segurança jurídica no processo de adequação.

Se a adesão ao novo modelo for considerada uma opção, o acompanhamento jurídico também será crucial para orientar a adaptação ao modelo da SUSEP e garantir que as exigências sejam cumpridas sem comprometer a sustentabilidade da entidade.

III) Gestão de Riscos:

Durante o período de transição, as entidades devem minimizar riscos operacionais e aumentar a vigilância com as boas práticas de governança. Medidas recomendadas:

  • Reforço dos mecanismos de prestação de contas;
  • Auditorias internas periódicas;
  • Ajuste dos modelos contratuais para fortalecer a identidade mutualista.

Essas medidas são essenciais tanto para entidades que cogitam aderir à regulamentação quanto para aquelas que pretendem permanecer no modelo atual.

IV) Criação e um Cronograma:

Independentemente da decisão de aderir ao novo modelo ou permanecer na atual estrutura, é fundamental criar um cronograma de ações para os próximos semestres, garantindo que as entidades se antecipem às necessidades futuras.  Sugestões de ações organizadas no tempo:

  • Curto prazo (0-6 meses): Acompanhar a regulamentação do CNSP e reforçar a governança interna;
  • Médio prazo (6-12 meses): Ajustar processos internos com base nas diretrizes publicadas;
  • Longo prazo (1-4 anos): Definir a estratégia final para adesão ou continuidade do modelo mutualista independente.

Considerando a possibilidade de opção pela adesão à regulamentação por parte de alguns dos nossos clientes, já preparamos um cronograma adequado, que será disponibilizado em breve.

Concluindo, podemos afirmar que a falta da regulamentação do CNSP introduz incertezas consideráveis para as associações e cooperativas interessadas na mudança para o novo regime regulado, tornando essencial que as entidades aproveitem esse tempo indefinido para fortalecer sua estrutura e definir sua estratégia de longo prazo.

Para quem deseja aderir à regulamentação, o momento é de preparação e análise de viabilidade. Para quem pretende permanecer fora do modelo regulado, o período pode ser usado para fortalecer sua identidade mutualista e buscar garantias jurídicas contra imposições indevidas. A chave para enfrentar esse cenário é a antecipação. Quanto mais cedo as entidades se prepararem, maior será sua capacidade de se adaptar aos desafios impostos pela nova legislação.

7.  As Promessas de Anistia

Durante a tramitação do projeto, os articuladores da proposta divulgaram amplamente que as entidades que aderissem à regulamentação teriam todos os seus problemas e pendências “anistiados” pela SUSEP. Essa promessa incluiu:

  • A baixa de processos administrativos na SUSEP;
  • A suspensão de ações civis públicas contra associações e dirigentes;
  • A anistia de multas aplicadas pela SUSEP;
  • A extinção da punibilidade de eventuais crimes financeiros.

A princípio, esses benefícios foram anunciados como uma “trégua” para entidades que aceitassem a incerteza de optar por regras ainda desconhecidas, evitando decisões judiciais que prejudiquem ou inviabilizem sua operação enquanto o cadastramento e a adequação estão em curso.

Contudo, após uma análise minuciosa do conteúdo da lei, a constatação foi de que a vinculação desses benefícios ao cadastramento na SUSEP foi claramente uma estratégia para atrair associações e cooperativas à regulamentação, sem que exista a garantia de qualquer benefício, indicando que o cadastramento pode não justificar os riscos envolvidos, conforme exposto a seguir.

7.1  Os Processos Administrativos

A suspensão dos processos administrativos sancionadores instaurados pela SUSEP está prevista no § 2º do art. 9º da Lei Complementar, nos seguintes termos:

  • 2º Os processos administrativos sancionadores instaurados pela Susep até a data de publicação desta Lei Complementar em desfavor das associações e das demais entidades a que se refere o caput deste artigo, ou de seus dirigentes e gestores, por infração ao art. 113 do Decreto-Lei no 73, de 21 de novembro de 1966 (Lei do Seguro Privado):

I – ficarão suspensos a partir da data de cadastramento da associação ou das demais entidades perante a Susep, independentemente da fase em que se encontrem, pelo prazo máximo de até 3 (três) anos, contado da data de publicação da regulamentação de que trata o inciso II do § 1o do art. 88-E do Decreto-Lei no 73, de 21 de novembro de 1966 (Lei do Seguro Privado), a ser editada pelo CNSP;

II – serão arquivados, sem análise do mérito e aplicação de penalidade, desde que a associação ou as demais entidades comprovem perante a Susep a regularização da sua atuação ou a cessação das atividades referidas no caput deste artigo, nos termos e nos prazos desta Lei Complementar e da regulamentação do CNSP;

III – serão retomados caso a associação e as demais entidades não comprovem perante a Susep a regularização da sua atuação ou a cessação das atividades referidas no caput deste artigo, nos termos desta Lei Complementar e da regulamentação do CNSP, ao final do prazo fixado no inciso I deste parágrafo.

Racionalizando o texto acima, podemos trazer as seguintes constatações:

 O benefício se aplica apenas a quem se cadastrar na SUSEP;

  • Não há anistia imediata: a suspensão é temporária (até 3 anos) e condicionada ao cumprimento de regras futuras;
  • Se a entidade não se adequar ou cessar as atividades, os processos serão retomados, sem prejuízo de novas penalidades.

Vale lembrar que com o cadastramento, a SUSEP terá acesso a todos os dados e informações da entidade e de seus dirigentes, o que pode resultar em novas autuações, penalidades e ações.

7.2  As Multas Aplicadas pela SUSEP

Em relação às multas aplicadas pela SUSEP, a realidade não é muito diferente dos processos administrativos. A suspensão das multas é prevista no § 4º do art. 9º, que trata sobre o cadastramento na SUSEP, nos termos abaixo:

§4º As multas pecuniárias aplicadas e ainda não pagas referentes aos processos administrativos sancionadores de que tratam os §§ 2º e 3º deste artigo que já tenham transitado em julgado:

I – terão a exigibilidade suspensa a partir do cadastramento da associação e das demais entidades perante a Susep;

II – não serão mais exigíveis caso a associação e as demais entidades comprovem a regularização de sua situação ou a cessação das atividades mencionadas no caput deste artigo, nos termos e nos prazos desta Lei Complementar e da regulamentação do CNSP;

III – terão a exigibilidade retomada caso a entidade não comprove a regularização da sua atuação no prazo de que trata o inciso I do § 2º deste artigo, nos termos e nas condições fixados nesta Lei Complementar e regulamentados pelo CNSP.

Do texto acima, podemos constatar:

  • O benefício não se aplica a multas ainda em fase de julgamento – apenas àquelas já transitadas em julgado e ainda não pagas;
  • O simples cadastramento não extingue a multa – ele apenas suspende sua exigibilidade temporariamente;
  • Caso a entidade não cumpra as exigências futuras ou cesse as atividades, as multas voltam a ser cobradas;
  • Assim como nos processos administrativos, a SUSEP poderá impor novas penalidades, diante da análise dos documentos recebidos no cadastramento.

Portanto, nota-se que assim como no caso anterior, é possível que os benefícios não justifiquem os riscos do cadastramento.

7.3  As Ações Civis Públicas

No caso das ações civis públicas da SUSEP, a regra é prevista no § 5º do art. 9º, que trata sobre o cadastramento na SUSEP, e a realidade imposta pela Lei Complementar é um pouco mais confusa. Vejamos abaixo o que dispõe o § 5º do art. 9º:

§ 5º As ações civis ajuizadas pela Procuradoria-Geral Federal como representante da Susep com base no art. 113 do Decreto-Lei no 73, de 21 de novembro de 1966 (Lei do Seguro Privado), até a data de publicação desta Lei Complementar em desfavor das associações e das demais entidades a que se refere o caput deste artigo, ou de seus dirigentes e gestores:

I – ficarão suspensas a partir da data de publicação desta Lei Complementar, independentemente da fase em que se encontrem, pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias;

II – serão retomadas ao final do prazo referido no inciso I deste parágrafo caso a associação e as demais entidades não procedam ao cadastramento perante a Susep nos termos do caput deste artigo;

III – permanecerão suspensas pelo prazo de até 3 (três) anos, contado da data de cadastramento da associação ou das demais entidades perante a Susep, na hipótese prevista no inciso I do § 2º deste artigo, independentemente da fase em que se encontrem;

IV – serão extintas, sem resolução do mérito, caso a entidade comprove a regularização da sua atuação ou a cessação das atividades referidas no caput deste artigo, nos termos desta Lei Complementar e da regulamentação a ser editada pelo CNSP;

V – serão retomadas ao final do prazo referido no inciso III deste parágrafo caso a entidade não proceda à regularização de sua atuação nos termos desta Lei Complementar.

Abaixo, trazemos nossa interpretação e riscos identificados no texto legal:

  • A suspensão inicial das ações civis públicas ocorre independentemente do cadastramento, e apenas por 180 (cento e oitenta) dias;
  • Ocorrendo o cadastramento, a suspensão passa a ser de 3 (três) anos;
  • A única forma de extinguir definitivamente a ação é cumprindo integralmente as exigências da SUSEP (ainda desconhecidas), ou cessando as atividades;
  • Se a entidade não acatar e cumprir as regras, ou cessar as atividades, as ações civis serão retomadas.

Além disso, há uma contradição jurídica no texto que pode gerar divergências interpretativas. A regra de suspensão proposta nos incisos I a III do artigo 9º (independente do cadastramento) não está alinhada ao caput, que trata do cadastramento. Considerando que os parágrafos não podem ser interpretados isoladamente do caput, esta contradição pode gerar discussões judiciais sobre sua validade e aplicação.

7.4  As Ações Penais

No que tange aos efeitos criminais das investidas da SUSEP face às entidades de Proteção Veicular, os efeitos da lei são ainda mais discretos, conforme previsto no § 7º do art. 9º, abaixo transcrito:

§ 7º Extinguir-se-á a punibilidade dos dirigentes e dos gestores das associações e das demais entidades a que se refere o caput deste artigo em relação ao crime previsto no art. 16 da Lei no 7.492, de 16 de junho de 1986 (Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro), no caso de comprovada regularização da atuação da entidade nos termos desta Lei Complementar.

 Do texto acima, extraímos as seguintes conclusões:

  • A extinção de punibilidade só se aplicaria a entidades que se cadastrarem e cumprirem todas as exigências, não sendo citada sequer a possibilidade de cessação das atividades, como nos casos anteriores;
  • A extinção de punibilidade se aplica exclusivamente ao crime do art. 16 da Lei nº 7.492/1986, não sendo abrangidas outras infrações penais;
  • O texto contradiz o § 1º do art. 121-E, que estabelece que o cumprimento do termo de compromisso gera efeitos apenas no âmbito administrativo, não garantindo a extinção de processos criminais.

Importante ressaltar ainda que essa previsão terá um impacto irrelevante, pois as ações penais movidas com base no art. 16 da Lei nº 7.492/86 contra diretores de associações de Proteção Veicular geralmente são encerradas sem condenação.

Concluindo, embora a promessa de anistia tenha sido amplamente divulgada, os benefícios oferecidos são limitados e repletos de condicionantes. Diante disso, as associações devem avaliar com extrema cautela os riscos envolvidos no cadastramento na SUSEP, pois a adesão ao novo modelo representa mais incertezas e riscos, do que benefícios concretos.

8.  Entidades Encerradas Antes da Vigência da Lei

Um ponto de grande interesse na Lei Complementar nº 213/2025 diz respeito às entidades que encerraram suas atividades antes da publicação da lei, em decorrência da repressão regulatória imposta pela SUSEP.

De acordo com o § 8º do art. 9º, essas entidades receberão o mesmo tratamento jurídico das que vierem a encerrar suas atividades dentro do prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a publicação da lei. Vejamos o que diz o § 8º do art. 9º, abaixo transcrito:

§ 8º As associações e as demais entidades que tenham cessado as suas atividades antes da publicação desta Lei Complementar em decorrência de processos administrativos sancionadores, bem como da aplicação das multas e ações civis de que tratam os §§ 2º a 5º deste artigo, terão o mesmo tratamento previsto para as associações e as demais entidades que cessarem as atividades referidas no caput deste artigo no prazo nele previsto.

Essa previsão legal pode representar um alívio para entidades que foram compelidas a encerrar suas operações devido à atuação da SUSEP. De acordo com o dispositivo, essas entidades terão os mesmos benefícios aplicáveis às que encerrarem suas atividades dentro do prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a publicação da lei. Isso significa que:

  • Os processos administrativos sancionadores em curso contra essas entidades deverão ser arquivados, sem análise de mérito e sem aplicação de penalidades (conforme inciso II do § 2º);
  • As multas pecuniárias aplicadas e ainda não pagas não serão mais exigíveis, conforme inciso II do § 4º;
  • As ações civis públicas movidas contra essas entidades deverão ser extintas, sem resolução do mérito, nos termos do inciso IV do § 5º.

Para entidades que já haviam encerrado suas atividades, esse dispositivo pode garantir a extinção de passivos administrativos e judiciais, eliminando riscos de cobranças ou penalidades futuras. No entanto, a interpretação e aplicação prática desse benefício ainda dependerão da regulamentação complementar pelo CNSP e da postura da SUSEP, o que exige acompanhamento atento das futuras normas para evitar entraves burocráticos na efetivação dos arquivamentos e extinções previstas na lei.

9.  As Administradoras

Um dos pontos mais controversos da Lei Complementar nº 213/2025 é a questão das administradoras. Enquanto a Proteção Veicular sempre operou sob um modelo essencialmente mutualista e sem fins lucrativos, a Proteção Patrimonial Mutualista, criada pela nova lei, transforma a operação em uma estrutura essencialmente mercantil, empresarial e regulada pela SUSEP (embora não seja securitária).

Nesse novo modelo, as administradoras assumem um papel central na operação, enquanto as associações passam a ter um papel secundário, meramente “decorativo”. O escopo e as atribuições dessas administradoras estão previstos nos dispositivos abaixo da Lei Complementar:

Seção III – Da Administradora de Operações de Proteção Patrimonial Mutualista

Art. 88-H. A administração das operações de proteção patrimonial mutualista é privativa de administradora constituída sob a forma de sociedade por ações que tenha por objeto social exclusivo gerir a operação de proteção patrimonial mutualista e que seja previamente autorizada a funcionar pela Susep.

(…)

§ 3º O CNSP estabelecerá normas com o objetivo de assegurar a solidez, a liquidez e o regular funcionamento das administradoras, as quais deverão ser compatíveis e proporcionais aos riscos decorrentes da gestão das operações de proteção patrimonial mutualista.

(…)

Art. 88-L. O CNSP estabelecerá as condições para a emissão da autorização para funcionamento da administradora de operações de proteção patrimonial mutualista.

Parágrafo único. A posse dos administradores e conselheiros fiscais das administradoras é sujeita à prévia autorização da Susep, podendo o CNSP dispor sobre hipóteses em que essa autorização será dispensável.

O § 3º do art. 88-H estabelece que as regras de funcionamento das administradoras ainda não foram definidas, e que caberá ao CNSP editar normas complementares. Já o art. 88-L determina que o CNSP criará as normas para autorização das administradoras, deixando evidente que nenhuma administradora pode ser constituída ou operar até que essas normas sejam publicadas.

A Lei Complementar nº 213/2025 transfere toda a gestão das operações de Proteção Patrimonial Mutualista para as administradoras, conforme disposto no seguinte trecho:

§ 1º A administração das operações de proteção patrimonial mutualista compreende as seguintes atividades, sem prejuízo de outras que vierem a ser estabelecidas pelo CNSP:

I – processamento de adesões ao contrato de participação, bem como de renovações, de alterações, de repactuações e de cancelamentos;

II – arquivamento de dados cadastrais e de documentação de participantes, de beneficiários e, se for o caso, de corretores de seguros, de demais intermediários e seus prepostos;

III – cálculo, cobrança e recolhimento do rateio mutualista de despesas e demais valores previstos no art. 88-F deste Decreto-Lei;

IV – regulação e liquidação de eventos cobertos;

V – pagamento de indenizações e adimplemento de outras obrigações relacionadas à garantia de eventos cobertos.

Da análise dos trechos acima, podemos concluir:

  • As administradoras assumem todas as funções relevantes, que no modelo de Proteção Veicular, pertencem às associações;
  • As associações aderentes deixam de gerir sua própria operação e passam a depender de empresas terceiras para continuar existindo no novo modelo regulado;
  • A única forma para as aderentes manterem algum nível de controle seria a criação da própria administradora pela associação, evitando subordinação a terceiros e preservando parte de sua autonomia.

Contudo, a possibilidade de criação de administradoras já foi limitada pela SUSEP antes mesmo da regulamentação pelo CNSP. Segundo o Deputado Federal Reginaldo Lopes, em emenda apresentada ao PLP solicitando a criação de novos cargos na SUSEP:

“A Susep estima que, pelo menos, 20 administradoras de planos de proteção patrimonial mutualista e 5 sociedades cooperativas de seguros deverão ser autorizadas no primeiro ano após a entrada em vigor da Lei Complementar…”

Assim, podemos afirmar que a limitação da quantidade de administradoras não é uma dúvida, mas uma realidade já confirmada pela SUSEP, mesmo antes da criação das regras pelo CNSP.

Podemos extrair as seguintes implicações desta Restrição:

  • A abertura de administradoras será altamente controlada pela SUSEP, possivelmente de forma discricionária, criando uma barreira para associações que queiram constituir suas próprias administradoras, concentrando o mercado e reduzindo a concorrência;
  • O modelo proposto pode excluir a maioria das associações, forçando-as a contratar os serviços das poucas administradoras previamente escolhidas pelo mercado regulado;
  • As associações que não criarem suas próprias administradoras perderão totalmente a gestão de sua operação;
  • A limitação no número de administradoras pode beneficiar um seleto grupo de pessoas e empresas, que poderão ter o controle absoluto do setor;

Diante desse cenário, associações que cogitam aderir à regulamentação devem considerar seriamente a viabilidade de constituir suas próprias administradoras, sob pena de perderem completamente sua independência e se tornarem meras intermediárias inertes, de um mercado altamente controlado.

10.  As Associações

Na Proteção Patrimonial Mutualista, as associações possuem um papel irrelevante. No escopo da lei Complementar, estas entidades atuam como meros intermediários entre os Grupos de Proteção Patrimonial Mutualista e as administradoras (inciso III do § 1º do art. 88-E), com poucas prerrogativas e direitos, mas contraditoriamente, assumindo responsabilidades significativas, solidariamente a outros atores.

As administradoras assumem a maior parte das funções que, no modelo de Proteção Veicular, são tipicamente desempenhadas pelas associações. Elas passam a ser partes integrantes dos contratos com os membros, detendo direitos e deveres exclusivos, o que esvazia o papel das associações na nova estrutura. O § 1º do art. 88-H traz a relação das atividades empenhadas pelas administradoras, que incluem o processamento de adesões, arquivamento de dados cadastrais e documentos, rateio (cálculo, cobrança e recolhimento), regulação e liquidação de eventos e até o pagamento das indenizações.

Já o § 5º do art. 88-E dispõe claramente que “o interesse do grupo de proteção patrimonial mutualista prevalecerá sobre o interesse da associação e sobre os interesses individuais dos participantes do grupo.” Por outro lado, embora o inciso V do § 1º do art. 88-E autoriza que as associações realizem atividades de “apoio operacional” às administradoras, as condições e parâmetros para essas atividades ainda serão definidos pelo CNSP.

Em relação aos Grupos de Proteção Patrimonial Mutualista, estes funcionarão de forma similar a condomínios, atendendo às finalidades estabelecidas no art. 88-E, ou seja, executam diretamente as operações de proteção patrimonial mutualista. O próprio art. 88-G prevê que “a operação de cada grupo terá total independência patrimonial em relação à administradora, às operações de proteção patrimonial de outros grupos, aos seus participantes individualmente considerados e à associação de que seus participantes sejam membros.”

Portanto, embora façam parte das associações, os grupos são os verdadeiros titulares de direitos, detendo a propriedade dos bens e atuando como protagonistas da operação, juntamente com as Administradoras. Tanto que o art. 88-N aduz que “o contrato de participação é o instrumento pelo qual o associado formaliza sua adesão a grupo de proteção patrimonial mutualista”, ou seja, os membros são vinculados diretamente aos Grupos de Proteção Patrimonial Mutualista e à administradora responsável, fazendo das associações meras figurantes, sem papel operacional significativo.

Contudo, embora praticamente sem direitos, as associações possuem responsabilidades relevantes. O art. 36 estabelece que “compete à Susep, na qualidade de executora das diretrizes das políticas de seguros e de proteção patrimonial mutualista estabelecidas pelo CNSP, atuar como órgão fiscalizador do Sistema Nacional de Seguros Privados.” Esta disposição deixa larga margem para que a atuação da SUSEP alcance as associações, visto que participam, ainda que indiretamente, do sistema de Proteção Patrimonial Mutualista, possuindo até mesmo capítulo próprio na lei que o institui. Além disso, segundo art. 109, as associações (e consequentemente, seus diretores) respondem solidariamente por prejuízos causados devido a “descumprimento de leis, normas e instruções”.

Estes aspectos precisam ser considerados por quem considera a migração para o novo modelo regulado, e a regulamentação por parte do CNSP deve ser observada com extrema atenção antes da tomada de qualquer decisão, inclusive o cadastramento na SUSEP.

Lei Complementar 2013/2025: Análise Jurídica e Cenários Futuros

11.  As Cooperativas

Com a entrada em vigor da Lei Complementar nº 213/2025, as sociedades cooperativas de seguros passaram por uma significativa ampliação de suas possibilidades de atuação. Antes restritas a seguros agrícolas, de saúde e de acidentes do trabalho, as cooperativas agora poderão operar em outros ramos de seguros privados, salvo nos casos em que houver vedação expressa em regulamentação específica do CNSP.

Considerando o escopo da lei Complementar, o caminho do Seguro Cooperativo se mostra significativamente mais promissor do que a Proteção Patrimonial Mutualista, pelos motivos abaixo expostos:

  • Trata-se de uma modalidade de seguro, e não um novo arranjo controverso e duvidoso;
  • O modelo cooperativo já possui respaldo legal e estrutura consolidada;
  • Permite que os próprios cooperados participem da gestão e das decisões operacionais;
  • Pode trazer mais segurança jurídica do que o novo modelo de Proteção Patrimonial Mutualista, cuja regulamentação ainda será definida.

Considerando estes e outros pontos, o caminho das Cooperativas de Seguros tem sido considerado por muitos que não desejam aderir ao modelo de Proteção Patrimonial Mutualista. Contudo, a mudança para a atuação através da estrutura de cooperativa também traz alguns desafios e pontos de atenção, como por exemplo os abaixo expostos:

  • Necessidade de capitalização inicial e estrutura mínima para operar como cooperativa de seguros;
  • Adoção obrigatória de regras e princípios do cooperativismo, que podem exigir mudanças estruturais nas entidades que optarem por esse modelo;
  • Dependência da regulamentação do CNSP para definição de requisitos operacionais e fiscais.

Por outro lado, as cooperativas que atualmente já atuam com a Proteção Veicular podem encontrar mais facilidades para uma possível migração para o modelo de Cooperativa de Seguros, por já estarem habituados às nuances do cooperativismo. Neste caso, basta que as entidades mantenham as atividades dentro dos critérios exigidos pela legislação, garantindo conformidade jurídica, e aguardem a regulamentação do CNSP para avaliar a viabilidade da migração para o modelo de Seguro Cooperativo.

Podemos concluir com as seguintes constatações:

  • A ampliação do campo de atuação das cooperativas de seguros pode abrir novas possibilidades para entidades que atuam no mercado de proteção veicular, a depender da regulamentação do CNSP;
  • O Seguro Cooperativo pode ser uma alternativa mais viável do que a Proteção Patrimonial Mutualista, dependendo da regulamentação do CNSP;
  • As cooperativas devem se preparar para ambos os cenários – a manutenção do Socorro Mútuo ou a transição para o Seguro Cooperativo, conforme as regras sejam definidas;
  • A tomada de decisão deve considerar os requisitos jurídicos, regulatórios, estruturais e financeiros de cada modelo.

12.  Os consultores e representantes

O art. 122 da lei Complementar estabelece que apenas o corretor de seguros tem a prerrogativa de comercializar planos de seguros privados. O parágrafo único do mesmo artigo amplia essa prerrogativa, ao prever que o corretor de seguros também poderá intermediar operações de Proteção Patrimonial Mutualista.

O texto sequer menciona a participação de consultores e representantes nas operações de Proteção Patrimonial Mutualista, deixando em aberto a possibilidade de exclusão desses profissionais na intermediação desse mercado, gerando uma incerteza significativa quanto à continuidade de consultores que hoje atuam na Proteção Veicular. A regulamentação posterior do CNSP será determinante para definir se esses profissionais poderão comercializar produtos mutualistas, ou se a prerrogativa será exclusiva dos corretores de seguros, como ocorre no mercado securitário tradicional.

13.  SUSEP: O Órgão Mais Poderoso da República

Um aspecto preocupante salta aos olhos diante da análise da Lei Complementar: o brutal empoderamento da SUSEP, que passa a contar com prerrogativas inéditas a qualquer outro órgão da administração pública, conforme veremos nos tópicos a seguir.

13.1  Regime Sancionador e Rito do Processo da SUSEP

O art. 118 da Lei Complementar concede à SUSEP a prerrogativa para instauração dos processos administrativos sancionadores, sendo dispensável que seja precedido de inquérito administrativo, nos termos do §1º. Já o §2º permite que os processos administrativos não sejam sigilosos, autorizando a sua divulgação pública.

Se por um lado estas mudanças têm o potencial de dar mais celeridade aos processos administrativos, elas tornam ainda mais agressivas as medidas restritivas da autarquia, em face das reguladas. Além disso, a ausência de um inquérito prévio e a dispensa de sigilo podem violar direitos, especialmente no que tange ao contraditório e à ampla defesa, abrindo margem ainda para o vazamento malicioso de informações na internet, e para as campanhas difamatórias que ocorreram nos últimos anos.

Em relação às entidades que fazem parte do mercado regulado, o art. 121-A estabelece que a SUSEP poderá, antes mesmo da instauração formal de um processo administrativo sancionador, determinar o afastamento cautelar de administradores e membros da diretoria, bem como suspender suas autorizações ou cadastros, impedindo-os temporariamente de atuar no mercado. A SUSEP também poderá, como medida preventiva, determinar a interrupção imediata do funcionamento das entidades, sob pena de aplicação das multas e sanções previstas no art. 108. Além disso, o inciso VIII do art. 121-A autoriza a SUSEP a “adotar quaisquer providências que entender necessárias”, conforme diretrizes a serem estabelecidas pelo CNSP.

O artigo 121, em linhas gerais, confere à SUSEP poderes quase absolutos, permitindo o afastamento de diretores e a interrupção das atividades de entidades sem a necessidade de um processo administrativo formal, violando os princípios constitucionais de contraditório e ampla defesa. O inciso VIII, por sua vez, representa um “cheque em branco” para a autarquia, concedendo-lhe poder discricionário para implementar qualquer medida que julgar necessária. Como as diretrizes ainda serão definidas pelo CNSP após a aprovação da lei, há uma lacuna de segurança jurídica para as entidades supervisionadas, que podem enfrentar sanções severas sem garantias de um rito processual claro.

Estes são aspectos que certamente não podem ser ignorados por parte das entidades que pretendem aderir à nova modalidade, passando a fazer parte do mercado regulado pela SUSEP, e se sujeitando o referido regime sancionador.

13.2  Infrações e Penalidades

Em caso de infração às normas estabelecidas pelo CNSP e pela SUSEP, as penalidades aplicáveis às pessoas físicas e jurídicas responsáveis, conforme previsto no art. 108, são as seguintes:

a) Advertência;

b) suspensão de atuação;

c) inabilitação de atuação de 2 a 20 anos;

d) multas de até R$ 35 milhões.

É importante verificar que as penalidades não se direcionam somente aos agentes do mercado regulado, mas a qualquer pessoa física ou jurídica considerada infratora. Além disso, segundo o §5º do referido artigo, as multas podem ser triplicadas em caso de reincidência, conforme critérios a serem regulamentados pelo CNSP. Com a possibilidade de triplicação, as multas podem atingir o montante de R$ 105 milhões.

Mais adiante, o art. 113 dispõe que qualquer pessoa física ou jurídica que atue no mercado de Proteção Patrimonial Mutualista sem a prévia e expressa autorização da SUSEP estará sujeita às penalidades previstas no art. 108, aplicadas de forma triplicada. A nova triplicação das penalidades pode resultar em multas de até R$ 315 milhões e inabilitação para atuar no mercado por até 60 (sessenta) anos.

Inciso II do art. 115, que dispõe que as penalidades mais acima citadas podem também ser aplicadas a quem “contribuir para gerar indisciplina nos mercados supervisionados pela SUSEP”, ou “dificultar o conhecimento da real situação patrimonial ou financeira das operações” conforme critérios da própria autarquia e do CNSP. O dispositivo prevê penalidades extremamente severas, que podem ser aplicadas inclusive por condutas que não estão claramente tipificadas, como os “embaraços” mencionados em artigos anteriores.

Esses dispositivos conferem à SUSEP um poder punitivo amplíssimo, permitindo a aplicação de sanções por motivos bastante subjetivos, como a “indisciplina” no mercado ou a “dificuldade” em esclarecer informações patrimoniais. A falta de especificidade na tipificação dessas condutas abre margem para uma atuação arbitrária e pode gerar insegurança jurídica, afetando a todo o mercado, regulado ou não. A amplitude dos poderes conferidos à SUSEP após a aprovação do PLP configura um nível de discricionariedade punitiva sem precedentes no Brasil.

14.  Cenário Futuro e Planejamento Estratégico

Diante de tantas mudanças, já vigentes ou iminentes, além das projeções para os próximos meses e anos, o melhor caminho para quem atua no setor de Proteção Veicular é utilizar o tempo que ainda resta para planejar estrategicamente o futuro, e se preparar com antecedência para decisões importantes.

Para as entidades que pretendem se manter no modelo mutualista de Proteção Veicular, é preciso estar ciente de que haverá muitos desafios adiante. Permanecer no modelo atual não será suficiente, será necessário que a operação seja 100% conforme os critérios associativos ou cooperativos, e os requisitos legais aplicáveis a cada atividade. Qualquer distorção ou desvio do formato original do Socorro Mútuo poderá resultar na caracterização da atividade como Proteção Patrimonial Mutualista irregular, sujeitando a entidade ao processo sancionador e às rigorosas penalidades mencionadas anteriormente.

No caso das entidades que consideram a migração para o novo modelo regulado pela SUSEP, é indispensável que se compreenda todas as nuances que já foram apontadas pelo texto da Lei Complementar, e que se aguarde a regulamentação da Lei pelo CNSP, momento em que qualquer decisão poderá ser tomada de forma minimamente consciente.

Independente do caminho a ser seguido, é fundamental agir de imediato, aproveitando com sabedoria o tempo disponível para compreender as regras e seus impactos, e organizar sua entidade garantindo que ela esteja apta a adotar o modelo de negócio mais adequado no futuro próximo. Isso inclui providenciar as adequações necessárias com o suporte de uma equipe jurídica especializada em Socorro Mútuo e Direito Regulatório.

Abaixo, indicamos algumas medidas imediatas a serem adotadas:

a) Compreensão do cenário atual: buscar uma assessoria jurídica com competência para compreender com profundidade o cenário atual, e apresentar as opções disponíveis para serem eventualmente seguidas;

b) Preparação da Estrutura Jurídica: ajustar estrutura jurídica atual aos requisitos mínimos legais que poderão ser exigidos futuramente, em caso da necessidade de mudanças;

c) Viabilidade financeira e operacional: avaliar a viabilidade financeira e operacional da possível migração do modelo de negócio atual, para algum dos demais modelos possíveis;

d) Elaboração de um Plano de Adequação: planejar as mudanças necessárias para atender aos requisitos dos modelos alternativos, antecipando potenciais obstáculos;

e) Fortalecimento da Governança Interna: Implementar práticas de compliance e controle financeiro, para garantir a conformidade e transparência que serão exigidos mais adiante, independente do modelo adotado;

f) Due-diligence: Conduzir um processo de due diligence dos diretores e gestores, identificando e mitigando riscos pessoais e preparando as pessoas físicas para a possível transição para um novo modelo de negócio.

Independente da escolha, é essencial iniciar imediatamente um planejamento estratégico que garanta flexibilidade para uma tomada de decisão segura, permitindo que sejam aproveitadas as oportunidades e as lacunas existentes no projeto para operar com segurança e legalidade — especialmente para aqueles grupos que optarem por não aderir ao novo modelo criado pela legislação.

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