Duas importantes movimentações recentes no Senado Federal trouxeram novos desdobramentos ao polêmico Projeto de Lei Complementar (PLP) 143/2024, que visa “regulamentar” a Proteção Veicular. Embora o cenário continue complexo, esses eventos destacam tanto os esforços para ajustes necessários, quanto as persistentes pressões por uma aprovação apressada, apesar das graves inadequações do modelo proposto.
1. Um Raio de Esperança: A Emenda do Senador Esperidião Amin
A emenda apresentada pelo senador Esperidião Amin representa uma tentativa legítima de ajustar o projeto à realidade do mercado mutualista, e de sanar as irregularidades apontadas. A proposta permite a criação de fundos próprios por cooperativas e associações de transporte, assegurando a autogestão para entidades menores (com até 3.000 associados) e dispensando a exigência das administradoras externas. Além disso, promove princípios fundamentais como solidariedade, reciprocidade e sustentabilidade.
Outro aspecto relevante da emenda é a exigência de fundos de reserva para garantir a sustentabilidade financeira e lidar com eventos extraordinários. Essa medida reforça a segurança das operações sem criar barreiras inviáveis. A proposta também protege o patrimônio das associações, impedindo sua vinculação a débitos de associados ou terceiros.
No entanto, embora a emenda represente um grande avanço em relação ao malfadado projeto que chegou ao Senado, ela ainda se limita ao setor de transporte de cargas e passageiros. Esse recorte, embora meritório, exclui outras categorias igualmente vulneráveis, como os grupos de proteção patrimonial voltados para veículos leves, motos e outros bens. Além disso, a fiscalização pelo Poder Executivo, mesmo com a promessa de respeitar a dinâmica operacional das associações, permanece uma incógnita quanto à sua execução prática e eficácia.
Um desfecho honesto e democrático seria promover a discussão aprofundada do conteúdo da emenda, possibilitando a modificação do projeto conforme proposto e a inclusão das demais categorias igualmente prejudicadas.
2. Um Retrocesso Preocupante: O Parecer do Relator
Por outro lado, o parecer apresentado pelo relator é motivo de grande preocupação. O documento defende a aprovação do PLP 143/2024 em sua forma atual, ignorando as inúmeras críticas técnicas e jurídicas apontadas tanto pela própria consultoria legislativa do Senado, quanto por especialistas comprometidos com a legalidade e com os interesses do setor mutualista.
O relator argumenta que a inclusão do mercado de proteção patrimonial mutualista sob a supervisão da SUSEP trará segurança jurídica ao setor. Contudo, ele desconsidera todas as ilegalidades existentes, que foram detalhadas no artigo “Os Impactos do PLP 143/2024 no Associativismo Brasileiro”, publicado em novembro. Além disso, fecha os olhos para os custos operacionais desproporcionais que essa regulação impõe às associações, e consequentemente, a milhares de brasileiros. A previsão de subordinação a administradoras externas, inalterada, enfraquece a autonomia associativa e descaracteriza o modelo mutualista.
Ademais, embora o parecer reconheça a importância da liberdade associativa garantida pela Constituição Federal, ele simultaneamente reforça medidas que a ferem de morte, como a obrigatoriedade de contratos de prestação de serviços com administradoras e a imposição de requisitos técnicos típicos de seguradoras. A promessa de regularização do setor, apesar de parecer positiva a olhos desatentos, se revela um verdadeiro cavalo de Tróia ao exigir que as associações se adaptem a um modelo economicamente inviável e alheio à realidade do mercado, sendo submetidas à SUSEP, autarquia que há décadas busca, sem sucesso, eliminar a existência deste importante mercado.
3. Polarização do Debate e Interesses Opostos
O contraste entre a emenda do senador Esperidião Amin e o parecer do relator evidencia que a polarização do debate chegou ao Senado. De um lado, há uma legítima tentativa de promover ajustes construtivos que busquem um modelo inclusivo e adequado à realidade do mutualismo, dando voz às entidades e às pessoas que compõem o setor a ser regulado, que foram “convenientemente ignorados” durante a construção do projeto. De outro lado, persistem as pressões para aprovar uma proposta incongruente, que usurpa o mercado de quem o construiu a duras penas, e o entrega nas mãos de meia dúzia de privilegiados, prejudicando o interesse público e os direitos de milhares de brasileiros.
Finalmente as cartas estão na mesa, evidenciando a existência de dois lados com interesses absolutamente opostos, e não uma harmoniosa convergência em torno desta regulamentação. De qual lado você está?
4. Conclusão: Uma Regulamentação para Ser Acatada, ou Rejeitada?
Embora a emenda do senador Amin apresente uma luz no fim do túnel, o parecer do relator a rejeitou prontamente, “passando pano” nas inconsistências através de emendas mal-acabadas e avançando para a precipitada aprovação de uma regulamentação que cheira a golpe, mas que dificilmente será acatada pelo mercado, pois inviabiliza a sobrevivência das entidades aderentes e deixa milhares de brasileiros à deriva.
A pressão exercida pelos grandes interessados na aprovação do projeto — como a SUSEP, que almeja um incremento de receitas e a ampliação de seus poderes, e o Ministério da Fazenda, seduzido por uma milionária receita que dificilmente se concretizará — pode levar à aprovação do PLP ainda hoje, apesar de todas as críticas de especialistas que realmente defendem o setor, e das inúmeras inconstitucionalidades presentes no projeto.
Ao mercado de Proteção Veicular, restará a decisão de acatar, ou rejeitar a regulamentação. Afinal, suas vozes foram sistematicamente ignoradas durante a construção de uma proposta elaborada sob sigilo, por “sábios” que claramente não conhecem o setor, ou não se interessam pela sua perenidade. Contudo, sem a adesão do mercado, esta regulamentação nunca sairá do papel.
O mercado mutualista precisa, mais do que nunca, de união e força. É preciso fortalecer as lideranças legítimas do setor, a fim de evitar que o PLP 143/2024 se torne mais um exemplo de como regulamentações mal planejadas podem destruir setores inteiros, em vez de fortalecê-los.